17 abril, 2008

A Revolução Islâmica - O Período Pós-Revolucionário

Todo o período pós-revolucionário é caracterizado por um reafirmar da posição doutrinal defendida pela vanguarda revolucionária no que dizia respeito à forma como o Shah Mohammad Pahlavi conduzia a sua política externa e interna. Assim, os primeiros anos da República Islâmica do Irão são uns de alguma volatilidade estratégica pois a falta de um planeamento estratégico mais cuidado, ou o exacerbar de um conjunto de preceitos doutrinais previamente formulados, vão levar a uma hostilização entre a R.I.I. e a comunidade internacional envolvente, por um lado, e à eliminação de toda e qualquer oposição anti-revolucionária e anti-religiosa no campo interno.

No plano externo, a expulsão de todos os dignitários e outros agentes privados ou públicos do governo de Jimmy Carter ao longo do ano de 1980 causou sérios problemas a todo o mundo ocidental. O Irão, um país detentor de largas reservas petrolíferas, era um dos principais fornecedores de petróleo e gás natural, constituindo assim uma peça fundamental na economia liberal entretanto globalizada. Sendo parceiro privilegiado de países como os EUA, Israel, Reino Unido e outros, a Revolução Islâmica e oposição anti-ocidental veio condenar toda essa interdependência cujos lucros tinham alimentado uma prosperidade bem recebida pelos dois pólos.

Já no plano securitário, a estratégia dos “Dois Pilares” previamente referida representava também um elemento de máxima prioridade nos escritórios da Casa Branca na sua tomada de decisão e planeamento estratégico numa região tão conturbada e complexa como a do Médio Oriente. Pior ainda, não só perdera um aliado fundamental, como também o hostilizara o suficiente de modo a este ameaçar constituir-se uma potência dominante em toda a região, resultando na realização de esforços redobrados para a sua contenção e apaziguamento. Somando-se ao factor religioso, os EUA foram os principais prejudicados com a Revolução Islâmica, forçando-os a prosseguir uma contínua diplomacia de contenção e atracção de outros vizinhos islâmicos, com receio de que subordinem os seus interesses de Estado aos das elites religiosas cuja influência sobre a população é considerável e potencialmente perigosa aos interesses norte-americanos.

Nesta óptica, enquanto no plano interno se procedeu à implementação dos planos de constituição de uma república islâmica, com a criação dos Pasdaran, Conselho de Vigilância, e outras instituições e órgãos de soberania responsáveis e constitutivos de um processo anti-revolucionário, também no plano externo se procedeu a essa implementação de reivindicações previamente enunciadas em várias manifestações e declarações escritas. A crise dos reféns norte-americanos na sua embaixada em Teerão é um claro exemplo desta tendência.

Debaixo de duras críticas por parte do regime de Khomeini, os Estados Unidos tinham apesar de tudo conseguido manter uma representação diplomática e alguns interesses económicos no país pós-revolucionário. No entanto, Jimmy Carter sabia que essa posição era instável e qualquer envolvimento que pudesse vir a ter com o antigo Shah Mohammad Reza Pahlavi poderia ser entendido como um acto de traição e condenação a todos os interesses norte-americanos. Contudo, e após ter passado pelo Egipto e México, o Shah vai deslocar-se para uma clínica norte-americana por forma a respeitar o seu tratamento de um cancro linfático. No Irão, este foi um acto inadmissível que levou a protestos prolongados na capital iraniana, até que no dia 4 de Novembro de 1979, estudantes radicais decidiram entrar pela embaixada e tomar como reféns os cinquenta e dois diplomatas que lá se encontravam.

Embora tenham sido libertados catorze, os restantes lá permaneceram por 444 dias até ao juramento do novo presidente Ronald Reagan. Com efeito, durante a administração Carter foi realizada uma tentativa de resgate levada a cabo por Marines mas cujo retumbante fracasso levou à morte de oito soldados norte-americanos, numa operação que ficou conhecida como Operation Eagle Claw. Não obstante, uma outra missão encontrava-se já em marcha, com adidos confiantes numa vitória de Ronald Reagan nas presidenciais de 1981 a encetarem negociações com o regime de Khomeini para que se realizasse uma rápida evacuação dos reféns, em segurança, em troca de um acordo comercial. De facto, em pleno período de primárias, a crise dos reféns foi vista como o principal tema de debate e campanha durante esse período eleitoral, que em última análise levou à queda de Carter e ascensão de Reagan.

Presumindo-se que Ronald Reagan tenha obtido uma negociação com Khomeini, o que é certo é que apenas horas depois do juramento como novo presidente dos EUA, os reféns são imediatamente libertados sem qualquer tipo de incidentes e deslocados para o aeroporto internacional, de onde partem para os EUA. A coincidência destes eventos adivinha uma cumplicidade que não nos permite ignorar, mas cuja documentação ainda não foi publicamente divulgada pelos serviços de inteligência e informação norte-americanos até à data.

Apesar de tudo, os danos eram irreparáveis e a saída dos reféns foi um mal menor que os EUA suportaram na sequência da Revolução Islâmica. O mesmo não podemos dizer de figuras políticas iranianas que se opunham à revolução ou à nova elite governante que a comandava e reformava o sistema. Com lealdades diversas e planos distintos para o futuro do Irão, os Guardas da Revolução assumem-se como forças militares independentes que realizaram algumas das anteriores actividades desempenhadas pela Savak, isto é, de vigilância, tortura, aprisionamento, e assassinato de líderes e conspiradores que pretendiam um golpe de Estado para sabotar o projecto de Khomeini.

Como dissemos anteriormente, o Incêndio de Abadan e a Sexta-feira Negra tiveram como consequência a eliminação de toda a oposição moderada e laica para dar lugar a uma mobilização religiosa e radical. Ora foram exactamente essas facções as principais responsáveis pelo sucesso da revolução, e assim viram no seu interesse a manutenção de uma estrita observância dos seus interesses por eliminar aqueles que procuravam uma via moderada ao processo revolucionário. Mas como é histórico em todas as revoluções, qualquer posição moderada em tempos de conturbação é encarada como uma traição à causa e, consequentemente, uma ameaça à prossecução das políticas reformistas e anti-revolucionárias. Com efeito, parte dessas mesmas políticas passa por eliminar os opositores, embora seja comummente referido que o processo revolucionário tinha apenas começado.

Sob uma certa perspectiva relativista, podemos realmente afirmar que o processo revolucionário em si só termina quando o processo anti-revolucionário que lhe sucede afasta qualquer hipótese de uma contra-revolução, e a anti-revolução terminou com a morte do Imam Khomeini e eleição do Ayatollah Khameini para lhe suceder como Líder Espiritual da República Islâmica do Irão. Assegurada a continuidade das políticas reformistas de base islâmica, estava então garantida a vitória da Revolução, não sem os seus custos.

Na procura da consolidação do poder, o Ayatollah Khomeini necessitou empregar um esforço coordenado para sobreviver quer à invasão do Iraque entre 1980 e 1988, quer às exigências internas do regime, mas consolidada a sua posição, garantiu a perpetuação até aos dias de hoje.


  • Prólogo

  • Introdução

  • O Irão da Pérsia aos Safávidas

  • O Islão na Pérsia

  • O Irão dos Safávidas ao Pahlavis

  • O Jogo do Petróleo

  • O Início da Relação Irão-Ocidente

  • O Irão na II Guerra Mundial

  • O Irão na Guerra-Fria

  • O Projecto Reformista do Shah

  • Um Desagrado Crescente

  • As Manifestações de Janeiro, 1978

  • O Incêndio de Abadan

  • A Sexta-feira Negra

  • Os Últimos Dias do Trono do Pavão

  • O Período Pós-Revolucionário

  • Conclusão e Bibliografia
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