17 abril, 2008

A Revolução Islâmica - O Jogo do Petróleo no Irão

O Início da Exploração e a Criação da Anglo-Persian Oil Company

A indústria petrolífera tem tido, nos últimos séculos, um papel preponderante na economia do Irão, nomeadamente no que diz respeito às trocas comerciais com o exterior e ao impacto destas transacções no desenvolvimento industrial interno do país – embora não deva ser descurada a importante parcela económica ainda ocupada pela actividade agrícola. Perspectivar qualquer acontecimento que tenha como palco o Médio Oriente é um exercício que não pode ignorar toda a problemática envolta à temática dos recursos naturais da região e mais especificamente os recursos petrolíferos. A Revolução Islâmica não é disto excepção e por tal é da maior importância analisar a evolução histórica – abrangendo-se aqui vertentes políticas e militares – da industria petrolífera iraniana que veio a ter consequências directas na conjuntura de mudança profunda que foi a Revolução, cuja década que lhe serviu de palco, sessenta do século XX, caracterizou-se por ser um decénio de crise económica no sector petrolífero que afectou o país inteiro e engrandeceu os sentimentos de descontentamento e vontade de mudança da população iraniana.

O século XIX é passível de ser identificado como o início da era petrolífera que tão profundamente viria a marcar o país, começando a explorar-se as primeiras examinações de solos cientificas. Em 1901 a Pérsia atribuiu a William K. D’Arcy, um solicitador inglês que fez fortuna na Austrália, uma concessão de sessenta anos referente a todos os direitos de exploração de petróleo na região, com excepção das cinco províncias fronteiriças com a Rússia – viva-se um tempo de intensa rivalidade entre Rússia e Grã-Bretanha e esta explícita exclusão das províncias tinha como principal objectivo não ferir a susceptibilidade dos russos. D’Arcy tinha o papel de fornecer o capital e tecnologia necessárias enquanto que a Pérsia se comprometida em proteger as instalações e os funcionários em troca de 16% dos lucros. Quando em 1908 foi descoberto petróleo em Masjid i-Sulaiman, foi criada a Anglo-Persian Oil Company (APOC), que viria a ser acusada pelo próprio governo iraniano de impor a sua autoridade ao país. Em 1911, Winston Churchill, ainda First Lord of the Admiralty, tomou a decisão de converter o combustível usado pela Royal Navy de carvão para petróleo. Esta decisão actuou como fonte de ignição para a importância vital que daí em diante as jazidas de petróleo descobertas na Pérsia teriam para a Marinha e para a economia inglesas. Para reforçar esta nova realidade o governo inglês adquiriu 51% da APOC, companhia que detinha a concessão de D’Arcy na região.

Depois da coroação como Shah de Reza Pahlavi, 1925, novas negociações foram encetadas entre os governos iranianos e britânicos tendo em vista uma nova e mutuamente vantajosa relação tendo em vista a evolução não só do consumo de petróleo mundialmente mas também tendo em conta as novas jazidas que estavam a ser descobertas na Venezuela e nos Estados Unidos. A concessão acabou por ser cancelada em 1932 como consequência do profundo desagrado do Shah em relação às receitas que ele julgava serem insuficientes – ou pelo menos a parte dos lucros que cabia ao Irão – para levar a cabo o seu plano de modernização do país. Acabou por perceber que não poderia, sozinho, lidar com a indústria petrolífera iraniana e um acordo foi alcançado – a Concessão de 1933. Esta concessão, apesar de criticada por alguns iranianos que se sentiram traídos com a decisão do Shah aumentou as receitas do Irão de 16% para 20%, definiu as áreas de exploração em cem mil metros quadrados e assegurou o aumento do número de funcionários iranianos e a redução de funcionários estrangeiros. Faz-se aqui uma referência à revolta e indignação que cresceu entre os funcionários locais das companhias petrolíferas, e que se alastrou à consciência social de todo o país, de que os trabalhadores estrangeiros – nomeadamente os britânicos – viviam rodeados de riqueza e mordomias enquanto que os iranianos era trabalhados quase como escravos daquilo que os ingleses consideravam como uma colónia sua.

Este acordo assinado em 1933 assinalou também a viragem na situação de crise económica mundial para um período de recuperação e prosperidade que se repercutiu no Irão com o desenvolvimento das condições de vida e construção de infra-estruturas. Em 1936, um ano após a mudança do nome oficial do país de Pérsia para Irão, foi criada uma nova companhia de diferente nome – Anglo-Iranian Oil Company (AIOC). Seguiu-se um período de crescente modernização da economia e da industrialização iraniana, devido em grande parte ao aumento do consumo do petróleo entre os 1933 e 1939 o que, consequentemente, possibilitou a expansão e estabilidade da indústria petrolífera do Irão. A calma relativa experenciada nas relações entre a AIOC e o governo iraniano nos referidos anos sofreu um profundo revés aquando da II Guerra Mundial. O Shah tentou manter-se neutro no conflito argumentando que as hostilidades entre Grã-Bretanha e a Alemanha nada tinham a ver com o Irão, chegando a ameaçar cessar a Concessão de 1933. As suas palavras não foram ouvidas e em Agosto de 1941, tropas britânicas e russas entraram no país após a invasão da Rússia e infiltração no próprio Irão por parte dos alemães. Como era de esperar, esta nova conjuntura de guerra colocou em causa as refinarias e das instalações petrolíferas. Como é comum, o esforço de guerra exige grandes reservas energéticas o que colocava o Irão numa ténue situação. O Shah que era tido como pró-germânico, viu-se forçado a abdicar, em Setembro desse mesmo ano, em nome do seu filho mais velho, Mohammad Reza.

Mais uma vez um sentido de indignação gerou-se no seio da população que assistiu à entrada de tropas estrangeiras no seu território, acção que frustrava as aspirações nacionalistas, levantando vozes dissidentes que questionavam a ocupação do norte do país pelas forças russas e pelo controlo das regiões a sul pela AIOC. Em 1946 as tropas russas ainda estavam estacionadas, o que constituía uma violação directa do Acordo Tripartite de 1942, tendo o Azerbaijão um estatuto prático de uma administração autónoma sob a protecção da Rússia. O então Pprimeiro-Ministro Qavam al-Saltana viu-se a braços com a difícil situação de conciliar os objectivos de curto prazo russos de obtenção de petróleo com os objectivos de longo prazo iranianos de independência nacional. Acabou por acordar na criação de uma companhia detida em 51% pela Rússia. O ano seguinte é marcado pela primeira política de petróleo iraniana, submetida para aprovação por Qavam aos Majlis. Depois da demissão de Qavam, que não confiava na dinastia Pahlavi e a quem o Shah questionava a lealdade, novas críticas se levantaram contra a AIOC, acusada de favoritismo político por ambos os lados. Ainda em 1947 uma revisão da Concessão de 1933 era esperada com grandes expectativas mas também com grande apreensão – devido ao comportamento dos ingleses na II Guerra Mundial – por parte do Irão mas que acabou por falhar. Não só estava a Grã-Bretanha extremamente debilitada para guerra como é importante notar que, nesta altura, era lançado na Europa o Plano Marshall (1947 – prova de que as prioridades norte-americanas não passavam, no momento, por uma atenção exclusiva ou prioritária ao Médio Oriente). Em 1949 acabou por ser assinado o Supplemental Oil Agreement que aproximou as condições oferecidas pela Inglaterra ao Irão – em comparação aquelas dadas à Arábia Saudita e ao Iraque – mas cujos resultados ficaram muito aquém do que era esperado pelos governantes iranianos.


Mohammed Mossadegh e a Nacionalização

Em 1951, o então Primeiro-Ministro iraniano, Mohammed Mossadegh, procedeu a nacionalização das companhias petrolíferas pertencentes à Grã-Bretanha, naquilo que ficou conhecido como a Crise de Abadan. Mossadegh tinha vinho, até ao momento em que procede à nacionalização, opondo-se à intervenção estrangeira na indústria iraniana. E não estava sozinho nesta crença. O Ayatollah Abu’l Qasim Kashani apoiava campanhas de nacionalização da indústria petrolífera, especialmente depois de regressar do exílio em 1950. A AIOC que já era duramente criticada era agora vista como o principal instrumento de repressão no Irão ao serviço do governo inglês. Os britânicos responderam a esta iniciativa de nacionalização – acto de apropriação unilateral e sem qualquer tipo de acordo negocial – com um bloqueio económico embora tal não tivesse sido suficiente para travar a nacionalização em curso. Ao logo do processo estiveram envolvidos no processo as principais organizações internacionais. Nomeadamente as Nações Unidas, O Tribunal Internacional de Justiça e o Banco Mundial. Todos estes organismos foram criados no aftermath da guerra pelos vencedores, ou seja, os seus órgãos e modo de funcionamento pressuponham uma ideologia ocidental, democracia e capitalista – mais um dos motivos para as suas acções será olhadas como uma intromissão do Ocidente e não como uma tentava imparcial de ajuda à resolução do problema.

Mossadegh chegou a ser afastado do poder em 1952 mas foi rapidamente readmitido pelo Shah devido às intensas pressões internas e apoio do parlamento nacional que desejavam o seu regresso. Seguidamente é afastado o Shah, em Agosto de 1953, com o apoio da CIA e da Administração Eisenhower é rapidamente reposto no trono. Na verdade a questão do petróleo no Irão hà muito que tinha passado a fronteira meramente económica e era já uma complexa variável jogada dos campos políticos e diplomáticos. Como resultado desta instabilidades e do antagonismo cada vez mais crónico, a atenção do mundo virou-se para outras paragens geográficas – mesmo no Médio Oriente como foram exemplos o Kuwait e o Iraque – mais pacificas e estáveis que ofereciam melhores vantagens aos grandes oligarcas petrolíferos sempre com objectivos de lucro em primeiro lugar.


The Consortium Agreement

Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha delineavam em conjunto estratégias para acomodar o regresso da produção petrolífera iraniana de novo à cena económica mundial. Vários factores teriam de ser considerados como, a título de exemplo, a possível hostilidade de países que tinha assumido a produção de petróleo para compensar a queda da mesma no Irão. Deste modo, Reza Pahlavi concordou, em 1954, na criação de um consórcio internacional formado por companhias da Grã-Bretanha (40%), dos Estados Unidos (40%), da Holanda (14%) e da França (6%) ao qual foi concedido um período de exploração de 25 anos e que pressuponha uma divisão de lucros com o Irão a 50/50. Por definição era um contracto agencial na qual o Irão detinha a sua soberania sobre os seus próprios recursos petrolíferos e bens nas áreas concessionadas. Em contrapartida permitia que o Consórcio operasse e usasse esses mesmos recursos naturais e bens materiais em nome do governo iraniano durante os vinte cinco anos já referidos. Assim, foram formadas e registadas duas companhias da Holanda: Iranian Oil Exploration and Producing Company e Iranian Oil Refining Company; sobre as quais o governo detinha o poder de realizar inspecções e auditorias as contas das mesmas. As companhias que constituíam o Consórcio eram as seguintes:

British Petroleum Company Limited (40%)
Shell Petroleum N.V. (14%)
Gul Oil Corporation (7%)
Mobil Oil Corporation (7%)
Standart Oil Company of Califórnia (7%)
Exxon Corporation (7%)
Texaco Incorporated (7%)
Compagnie Française des Pétroles (6%)
The Iricon Group of Companies (5%)
o American Independent Oil Company
o Atlantic Richfield Company
o Getty Oil Company
o Signal Oil and Gas Company
o Standart Oil Company (Ohio)
o Continental Oil Company

The National Iranian Oil Company e a Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP)

The National Iranian Oil Company (NIOC) foi constituída, e aprovada em 1955, depois do processo de nacionalização que visava gerir a indústria doméstica do petróleo. O Iranian Petroleum Act de 1957, revestiu a NIOC de funções e responsabilidades como detentora da autoridade de todos os recursos petrolíferos nacionais ao qual se seguiu um período de grandes crescimento e expectativas até aos anos setenta. A NIOC tinha igualmente legitimidade para negociar joint-ventures com outras organizações. Pretendia-se a menor dependência possível nacional em relação ao Consórcio e maximizar as oportunidades mais vantajosas ao insistir nos termos mais vantajosos ao dispor. O Shah estava determinado em restringir ao máximo o espaço de manobra dos membros do Consórcio fazendo-os produzir mais, mesmo quando estes atingiam as metas estipuladas, fazendo pressão para que a NIOC tivessem uma percentagem dos mercados globais. Com a Guerra dos Seis Dias em 1967 – que fez aumentar a produção de petróleo iraniana em 22% – e com a declaração britânica de retirada do Este do Suez, assim como a revelação da Doutrina Nixon para a segurança regional, o Shah viu-se numa posição de ainda mais poder para alcançar os seus objectivos. O resultado desta súbita vantagem negocial resultou numa percepção exagerada do governo iraniano acerca da sua importância em termos de petróleo e à busca incessante de programas económicos demasiado avançados para a estrutura e capacidade do próprio país.

Em 1960 o Irão foi um dos fundadores e primeiro fornecedor de um Secretário-Geral, da OPEP. Esta organização pretendia estabelecer um fórum para o exercício de pressões nacionais para salvaguardar e aumentar as receitas petrolíferas através de uma acção colectiva movida no campo das relações internacionais. Cedo começaram as negociações entre os membros da OPEP e as principais companhias petrolíferas com vista a aumentar o nível de preços estabelecidos. O Shah, ameaçando cancelar o acordo com o Consórcio, conseguiu que este aceitasse o estabelecimento de preços mais altos em 1971. O Shah conseguiu ainda uma mudança de divisão nos lucros de 50:50 para 55:45 a favor dos países do Golfo Pérsico pertencentes à OPEP, um aumento de 33% por barril no preço proveniente da região e ainda outra série de medidas. Esta intervenção directa do Shah nos assuntos do petróleo partia da sua vontade de ser a força dominante no Médio Oriente após a decisão inglesa de aí retirarem as suas tropas até ao final desse mesmo ano. Neste seguimento Reza Pahlavi iniciou um programa de militarização que cujos custos ele acreditava poderem ser cobertos pelas receitas do petróleo. Não só esta medida foi vista como um sinal de agressividade pelos seus vizinhos mais próximos como era duramente criticado pela alegada influência estrangeira na economia do país.

A relação com o Consórcio também acabou por se deteriorar pois 1972 quando o Shah impôs as suas condições para a condição de qualquer tipo de relação futura. É de notar a importância que o Consórcio acabou por ter na indústria petrolífera iraniana – colocou-a novamente no centro dos mercados mundiais, assegurando a revitalização da indústria, procedeu ao desenvolvimento técnico da mesma e contribuiu, através do seu capital, para a construção de infra-estruturas petrolíferas industrias entre os anos de 1954 e 1977. Quanto aos feitos da NIOC podem ser destacados além do aumento exponencial do fornecimento de produtos petrolíferos ao mercado interno desde 1954: a) responsável pelo mercado doméstico de todos os produtos petrolíferos (excepto lubrificantes); b) influência marcante do preço de venda do petróleo nos mercados internacionais; c) controlo de cinco das refinarias nacionais; d) gestão da longa rede de pipelines e da extensão e expansão do crude; e) aprovisionamento de todas os serviços que cariz menos básico (alojamento, cuidados médicos, etc.); f) responsável pela produção no campo Naft-i Shah; g) exploração e produção nas áreas reservadas ao seu cuidado.

Quando em 1973 os preços do barril subiram, um acordo entre as maiores companhias e a OPEP não foi concretizado para estabelecer o preço no mesmo. Deste modo, e ainda neste mesmo ano, os países da OPEP tomaram a inovadora de decisão de passaram a ser eles mesmos os responsáveis pela fixação dos preços do petróleo que produziam. O Shah do Irão, que ainda mantinha planos ambiciosos nos anos setenta – no seguimento da Revolução Branca – legitimou a subia dos preços entre os anos de 1971 e 1976 com esta sua busca de modernização para o país. Todavia, foi o colapso do regime monárquico iraniano e o início das hostilidades em 1981 que levaram o preço do barril da Arábia Saudita a um máximo histórico de $34/barril. É importante também referir que nem só a partir da indústria petrolífera se construíam as relações económicas e políticas do Irão com o estrangeiro e em especial com o Ocidente. O gás natural tornou-se, desde 1966 um importante factor a ter em conta nas relações diplomáticas entre o Irão e a União Soviética – relações essas mantidas com distanciamento e frieza durante a era Pahlavi.

Com esta análise, que se estende do século XIX aos anos setenta do século XX, pretende-se demonstrar que a indústria do petróleo dominou não só as relações e a visão do Irão em relação aos restantes países mundiais – e em particular as potências mais directamente interessadas no negócio – como também as políticas ambiciosas de modernização levadas a cabo pelo Shah com as receitas geradas do petróleo.


  • Prólogo

  • Introdução

  • O Irão da Pérsia aos Safávidas

  • O Islão na Pérsia

  • O Irão dos Safávidas ao Pahlavis

  • O Jogo do Petróleo

  • O Início da Relação Irão-Ocidente

  • O Irão na II Guerra Mundial

  • O Irão na Guerra-Fria

  • O Projecto Reformista do Shah

  • Um Desagrado Crescente

  • As Manifestações de Janeiro, 1978

  • O Incêndio de Abadan

  • A Sexta-feira Negra

  • Os Últimos Dias do Trono do Pavão

  • O Período Pós-Revolucionário

  • Conclusão e Bibliografia
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