17 abril, 2008

A Revolução Islâmica - O Irão da Pérsia aos Safávidas

Contextualização

A cultura iraniana, tal como hoje a conhecemos, remonta a uma das mais antigas a subsistir à passagem dos tempos, atravessando várias épocas e antigos impérios, línguas e religiões diversas, mas sempre mantendo uma idiossincrasia inexpugnável que ainda hoje a torna diferente de tantas outras que lhe fazem fronteira. Com efeito, se quisermos aprofundar o nosso conhecimento sobre a completa dimensão do impacto que a Revolução Islâmica causou na sociedade e cultura iranianas, e como ela afectou um novo realinhamento político-religioso na região, é fundamental recuarmos brevemente às origens da cultura persa para, construído um padrão histórico de referência, contextualizarmos os eventos de Janeiro e Fevereiro de 1979.


O Estabelecimento Elamita

O estabelecimento das primeiras populações no que antigamente era territorialmente representado como a Pérsia ocorreu entre os séculos XV e XIV a.C. Com a designação de Elam, o actual território iraniano pertencia a um império cuja extensão alargava-se desde o rio Tigre até à cordilheira montanhosa no Sul do Irão, na Província de Elam, de onde lhe tira o nome.

Coexistente com os impérios egípcio, hitita, assírio e babilónico, era um império de dimensões relativamente pequenas e muito voláteis, sujeito às sucessivas acções expansivas e defensivas dos outros impérios circundantes. Com origens por volta do ano 5000 a.C., representando uma das mais antigas civilizações do mundo, a sua população era um misto de nómadas e agricultores, estendendo-se por vários reinos até ao planalto central do Irão, adjacente ao Mar Cáspio, onde se encontra actualmente Teerão. Herdeira do Império Mesopotâmico (2334-1595 a.C.), é daí em diante que adquire uma inércia e identidade própria dos outros territórios do antigo império.

A principal ameaça ao império Elam era a Babilónia, cujo domínio no comércio e lavoura de escravos e guerreiros apresentavam uma franca superioridade perante a fraca militarização e desenvolvimento urbano de Elam. A Babilónia, para além de possuir extensos rios navegáveis ao longo de todo o seu território, aliás, à volta dos quais se desenvolveu, possuía vastos recursos populacionais e excedentes agrícolas que lhes granjeavam uma vantagem estratégica ímpar face a Elam. A estes valia-lhes o terreno extremamente acidentado e de difícil acesso, o que garantia à população um refúgio acessível e conhecido face a hordas de invasores desconhecedores da complexa rede de comunicações nos desfiladeiros e vales das Montanhas Zagros.

Não obstante a distinta identidade de Elam, a qual mais tarde adquiriu a designação de Elamita, esta viria a ser brutalmente anexada pela expansão do império Assírio, subsequente ao declínio dos impérios Mesopotâmico e Hitita. Não só eram as práticas assírias completamente opressoras de qualquer cultura e/ou civilização estrangeira, como faziam das suas invasões autênticas sessões de carnificina e destruição de artefactos, por pilhagem, queima ou simples esmagar pelos seus carros de combate e cavalaria, francamente superiores a todos os outros exércitos da época. Desta forma, entre 934 e 626 a.C., o domínio da Assíria é supremo. Foram necessárias rebeliões internas por parte do povo babilónico e um jugo de mais cem anos para que uma cultura persa emergisse como uma potência de pleno direito, suficientemente forte para garantir a sua sobrevivência e dinâmica para encetar uma expansão que aglutinou debaixo da mesma monarquia os anteriores impérios assírio, babilónico e mesopotâmico.

O surgimento e declínio do Império Aqueménida da Pérsia

Podemos afirmar que o surgimento e afirmação de uma verdadeira identidade persa emergiu com o império de mesmo nome, por volta do século VI a.C.. Originário em Persépolis, e estendendo desde a actual Abadan até ao território iraniano a Norte do Estreito de Ormuz, esta nova civilização eclipsada pelos anteriores impérios mesopotâmico e assírio entra de rompante em toda a região do Médio e Próximo Oriente, conquistando todos os povos e cidades à sua passagem. Com efeito, sob a liderança do carismático líder Ciro, O Grande, é o império persa que se afirma o derradeiro domínio da cultura persa sobre as demais, granjeando ao seu imperador o título de Rei dos Reis, que mais tarde viria a ser utilizado pelos Pahlavis no século XX.

Senhor do maior exército que alguma vez caminhou debaixo de uma mesma bandeira, Ciro não só consolidou o seu domínio sobre o Médio Oriente até ao rio Indo a Leste, como também conquistou toda a Anatólia até aos Estreitos do Bósforo e Dardanelos, introduzindo toda uma nova concepção ao termo império. De facto, posteriormente acrescentado pelo seu descendente Cambisses e, de seguida, por Dário, em direcção ao Reino do Egipto e Líbia, e aos Reinos Hindus e Trácia, respectivamente, o Império Persa dos Aqueménidas, consagrou-se o derradeiro poder debaixo dos Céus a que cuja oposição era totalmente fútil. Pelo menos assim o julgaram os povos já conquistados, até que as forças de Dário chegaram às cidades-Estado da Grécia Antiga.

Face a um inimigo flexível, multicéfalo e com igual poderio naval, as forças de Dário logo perceberiam quais as suas fronteiras a Ocidente. Com efeito, desde a primeira expansão em direcção ao Mar Mediterrâneo, as tropas persas fizeram-se acompanhar por uma frota de navios de tropas e abastecimentos que complementava não só as suas incursões por terra, como também infligia pesadas perdas no comércio e riqueza inimigas numa estratégia de asfixia que rendeu numerosas cidades quando sitiadas. Procurando prosseguir com igual estratégia, Dário deparou-se então com uma forte oposição no Mar Egeu onde o superior conhecimento helénico cortou por completo as linhas de abastecimento do Império Persa, assim como a sua capacidade em aventurar-se demasiado longe das suas possessões.

Já no século V a.C., a poder grego apresenta-se como uma forte oposição à continuação da expansão persa em direcção à Europa, pelo que quer com Dário, quer com Xerxes, os vastos impérios de escravos, elefantes, aqueménidas, egípcios, partos, medos, e demais povos sob o seu domínio, o Império Persa vacila e vê-se forçado a recuar gradualmente até ao interior do Médio Oriente onde toma refúgio dos povos do mar, como então eram conhecidos os helénicos e cartagineses.

O esplendor de Alexandre e divisão do império

Como vimos anteriormente, a oposição helénica e a evidência de vários focos de dissensões dentro do império levaram ao declínio do outrora grandioso Império Persa. Obedecendo a uma eterna lei da História, ao fracasso de uns segue-se o sucesso de outros. Perante o amplo retrocesso da vitalidade e poder persa, um inimigo vindo do Ocidente traria de novo uma redobrada época de prosperidade a toda a Pérsia e mais além, embora não sob o domínio de povos autóctones. Falamos de Alexandre, O Grande.

Originário da Macedónia, anteriormente sob o jugo ou influência persa e helénica, dependendo das regiões, o jovem Alexandre herdava o trono do Reino da Macedónia. Cultural e historicamente próximo da cultura grega, este precoce governante é frequentemente apelidado como um dos maiores génios militares da História da Humanidade, pois realizou um feito que à partida se julgava impossível, conquistando com tropas aparentemente desfavorecidas um território exponencialmente superior ao seu de origem. Assim, começando as suas campanhas na Trácia, actual Turquia europeia, em 336 a.C., fundou um império extraordinário que se alastrou até às províncias ao Norte da Índia em apenas uma década. Misturando a cultura helénica com a disciplina e força militar do Oriente, comandou na linha da frente as tropas que assumiriam os despojos de todo o Império Persa, ora por conquista ora por anexação ou protectoria.

Contudo, numa época bastante frívola da sua vida, não teve a oportunidade de gozar as suas conquistas e morreu de febre em 323 a.C, gerando um enorme problema de sucessão do seu vasto império. Sem filhos nem descendência directa, foram as suas mais altas patentes que reclamaram pedaços do império, dividindo territórios a seu belo prazer, enquanto utilizavam influências e afinidades políticas e militares para assegurarem alguma legitimidade sobre os seus novos reinos. Assim nasceu o Reino Selêucida, após prolongadas batalhas que se prolongaram por todo o século III a.C. Desta forma, dos originais doze generais das campanhas de Alexandre, todos disputaram partes do império e nenhum sobreviveu para reclamar o trono.

O Reino Selêucida, que abrangia os territórios da Turquia do Sul, Mediterrâneo Oriental e Pérsia até à Índia, seria um dos vários objectos de cobiça por parte dos governantes da nova potência emergente – Roma.

O império romano e guerras de sucessão

Com a unificação da Península Itálica, as cidades-Estado italianas depressa fundaram um império cuja duração e importância civilizacional chegariam aos dias de hoje, não só através das suas inúmeras construções espalhadas sobretudo pelo Sul da Europa, mas também através das suas artes, conhecimento, ciências, leis, cultura, valores e tradições. Com efeito, aquilo a que se designa de Império Romano foi um espaço enorme, que abrangia desde a Península Ibérica até à Escócia, passando pelo Reno até ao Mar Negro, enquanto que a Sul ia desde Marrocos até à Pérsia. No entanto, desde o seu surgimento e crescimento no século II a.C., até ao século IV d.C., essa foi a sua extensão máxima, pelo que não conseguiu penetrar no território dos Partos, que governaram a Pérsia do século III a.C. até ao século III d.C.

Com a queda de Roma e separação do império em Ocidental e Oriental, o poder da Pérsia apenas ficou salvaguardado de uma ameaça externa mais poderosa, enquanto assistia à desintegração dos seus territórios no Mediterrâneo Oriental em detrimento dos Sírios, Arménios, e outros reinos menores. De certa forma, desde o declínio romano até à invasão árabe, no século VII d.C., nenhum outro império viria a reclamar os grandiosos feitos dos seus gloriosos antecedentes, e a Pérsia mergulharia num período em que seria arrastada pela civilização vinda da Arábia, embora com alguns privilégios que reconheciam na sua civilização milenar algum crédito cultural, político e social.


  • Prólogo

  • Introdução

  • O Irão da Pérsia aos Safávidas

  • O Islão na Pérsia

  • O Irão dos Safávidas ao Pahlavis

  • O Jogo do Petróleo

  • O Início da Relação Irão-Ocidente

  • O Irão na II Guerra Mundial

  • O Irão na Guerra-Fria

  • O Projecto Reformista do Shah

  • Um Desagrado Crescente

  • As Manifestações de Janeiro, 1978

  • O Incêndio de Abadan

  • A Sexta-feira Negra

  • Os Últimos Dias do Trono do Pavão

  • O Período Pós-Revolucionário

  • Conclusão e Bibliografia
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