17 abril, 2008

A Revolução Islâmica - Conclusão e Bibliografia

A título de finalização, é importante apreciarmos algumas ilações que poderemos extrair da análise dos precedentes e acontecimentos que caracterizaram o fenómeno designado de Revolução Islâmica de 1979. Assim, temos por pontos, para facilitar a visualização:


O derrube de um sistema monárquico que datava de à 2500 anos;
Desde o estabelecimento Elamita na região a que correspondeu a Pérsia, podemos argumentar que o Irão possui uma história milenar que a distingue de todas as demais civilizações modernas ou da época. Uma mistura entre povos agricultores e nómadas, que se deslocaram para as terras férteis da Mesopotâmia e região do Médio Oriente, provenientes sobretudo da Ásia Central e alguns povos da Europa – como os Arianos – aos persas sempre lhes foi atribuído um certo privilégio étnico ou riqueza cultural que persistiu a séculos de ocupação de outros governantes em regime de monarquia.

Assim sendo, a Revolução Islâmica constituiu uma das poucas manifestações incontestáveis da vontade popular contra a soberania da dinastia em vigência, reclamando por um regresso aos valores tradicionais do Irão e do Islão.


O estabelecimento de um governo islâmico baseado no Alcorão, na shari`a e na Escola de Ahlul Bait (A. S.), que diz respeito aos familiares do Profeta (S.A.A.S);
A Revolução Islâmica é frequentemente comparada como a Revolução Francesa no seu sentido populista, revolucionário e inovador. No entanto, enquanto nesta o valor supremo vencedor das manifestações e conturbações não foi um tipo ideal de Nação nem de cidadania, mas antes uma afirmação clara de um povo em relação à sua religião – o Islão. Desta forma, a sua lealdade foi completamente destituída do trono do Pavão para ser entregue no Alcorão, onde as linhagens, poder patrimonial e poder carismático são substituídos por valores como a fraternidade, solidariedade e igualdade, também conhecidos como os três pilares da Revolução Francesa.


Adopção de uma nova bandeira com as inscrições “Allah-o Akbar” (Deus é Grande) que é repetida 22 vezes, 11 vezes em cada faixa. O número 22 foi escolhido uma vez que a Revolução Islâmica de 1979 derrubou o regime do Shah no dia 22 do 11º mês do calendário islâmico;
A constituição de uma República Islâmica, a primeira no mundo, constituiu uma autêntica revolução no mundo islâmico, e talvez tenha sido o momento histórico mais determinante na forma como os iranianos se vêem a si próprios e ao mundo desde as conquistas árabes do século VII d.C. Com efeito, a criação de um regime teocrático vem contestar claramente toda uma lógica desenvolvimentista e moderna de que as civilizações evoluem por oposição directa aos valores tradicionais e dogmas criados por religiões de controlo de massas.

Ora a Revolução Islâmica foi, ao que nos parece, um fenómeno autêntico e legítimo de toda uma população, desde o clero shiita até aos bazaaris, classe média e intelectuais, que reivindicou, embora em momentos diferentes e com várias expressões, o seu profundo desagrado com as políticas pró-ocidentais do Shah, visando criar uma sociedade religiosamente independente, e ideologicamente próxima das doutrinas liberais económicas e políticas do Ocidente. Isto resultou numa reafirmação dos valores e costumes tradicionais islâmicos, contidos no Alcorão e outras fontes de direito islâmico.


Formação dos “Guardas da Revolução”, uma força paramilitar iraniana cuja estrutura é independente das forças armadas regulares; Criação de milhares de fundações e centros islâmicos culturais na cidade sagrada de Qom e outras cidades;
Pelas características da Revolução já enunciadas, a saber Universalismo, Iranianismo, Populismo e Popular, assistimos não só à recepção em alvoroço do Imam Khomeini no aeroporto internacional de Teerão, dia 1 de Fevereiro de 1979, para constituir governo em 11 de Fevereiro do mesmo ano. Assim, e receando um golpe de Estado que colocasse o Shah novamente no poder, como aconteceu em 1953, o novo regime vai implementar um conjunto de medidas anti-revolucionárias que visam consolidar imediatamente o sucesso da Revolução, assim como dar início a um processo reformista tão antecipado.

Os Guardas da Revolução foram uma dessas instituições responsáveis pela prossecução e manutenção de um novo conjunto de políticas de apaziguamento da ordem pública e eliminação de qualquer oposição aos líderes da Revolução, que persiste até aos dias de hoje como força de segurança pública, serviço de informações e guarda de costumes.


Estabelecimento do movimento de construção, formado por milhares de jovens revolucionários e voluntários que construíram estradas, hospitais, escolas, plantações, centros sanitários, electricidade, água, e gás aos pontos mais distantes do país; Movimento de alfabetização;
A Revolução Islâmica pautou-se ainda por iniciativas bastante interessantes no plano social. Desde logo, a generalizada obediência que o Ayatollah Khomeini tinha quando apelava aos trabalhadores para realizarem greves e assim paralisarem a economia nacional, reduzindo o poder do Shah, vai ser canalizada para o processo de reconstrução no período pós-revolucionário, também a regime de voluntariado.

Baseadas na doutrina e fraternidade islâmica, assim como nas dificuldades que resultaram de um revolução consumada e início de uma guerra com o Iraque no ano de 1980, estas políticas mais ou menos espontâneas constituíram um início audacioso para a tão desejada república islâmica. O apoio popular que o novo regime detinha, assim como todos os fundamentos religiosos e doutrinais do povo na sua forma de governo permitiram uma rápida reconstrução e crescimento, mesmo debaixo de fogo inimigo. Lembramos que, por mobilização religiosa, famílias abdicavam dos seus filhos para combaterem na linha da frente contra as tropas de Saddam Hussein, as mais das vezes para limpar campos minados para que as forças de infantaria pudessem avançar. A natureza deste chamamento religioso, assim como a sua obediência e consentimento, demonstram bem a essência deste regime autocrático que reúne no povo a sede da sua soberania, sede essa em estrita conformidade com os princípios corânicos.


Condução do povo, em todos os aspectos, à auto-suficiência, inclusive à exportação – o Irão alcançou a auto-suficiência na produção de trigo, vindo a tornar-se exportador deste produto, enquanto que durante a era do Shah o país era um dos principais importadores;
Ainda segundo a doutrina islâmica, outro dos princípios que colheu enormes frutos foi o princípio da auto-suficiência não só referido expressamente na Constituição da República Islâmica do Irão, como também derivada de preceitos corânicos. Com efeito, este princípio é um dos principais legados humanistas do Alcorão pois incita dos os seus seguidores a procurarem um desenvolvimento produtivo e continuado das suas pessoas enquanto muçulmanos e enquanto pessoas, instruindo não só no campo das ciências e das artes, mas também em relação a outras actividades sociais de fraternidade e solidariedade como a esmola, a entrega à comunidade, o auto-sacrifício como forma de servir a Allah, etc.

Eventualmente, este princípio de auto-suficiência foi transferido para o regime, também ele islâmico, promovendo um resfriamento da dependência externa existente na altura do Shah, quer em termos económicos, políticos, militares e culturais, em direcção a uma maior autonomia, com tendência de autarcia.


O despertar dos muçulmanos em todo o mundo e o regresso à espiritualidade e ao pensamento islâmico; Despertar da religião no mundo e retorno da fé e da religião à vida dos muçulmanos; Expansão do pensamento islâmico;
Para finalizar, a Revolução Islâmica consagrou ainda o fim da subserviência aos interesses dos EUA, expulsando não só todos os agentes diplomáticos e económicos do país, como contestando o seu poder na região do Médio Oriente, que entretanto passou a ser projectada como uma área de influência iraniana. Procurando assegurar a sua superioridade sobre os vizinhos, assistimos então à utilização e mobilização religiosa para cumprimento desses objectivos estratégicos, mesmo que para tal seja necessário combater companheiros muçulmanos, alegadamente desviados da verdadeira interpretação do Alcorão.

Desta forma, a religião islâmica ganha uma centralidade determinante nas relações internacionais de final do século XX, ameaçando hostilizar toda a comunidade muçulmana contra os ideais liberais do Ocidente, ou outro modelo organizacional, quer político quer social, que se oponha àquele visionado pelas suas elites clericais. Segundo um paralelismo realizado por Henry Kissinger, o Médio Oriente experimenta hoje o tipo de comunidade internacional regional que a Europa viveu nos séculos XVI e XVII, no que diz respeito à proliferação de guerras religiosas e subordinação ou coincidência dos ideais de Estado com os da religião.


Apenas o futuro dirá se a evolução provará os benefícios e desenvolvimento de sociedades materiais onde a obtenção de direitos sociais, de desenvolvimento, humanos e societais com base no respeito pela individualidade e na interdependência, ou se antes observaremos um aparente retrocesso histórico de volta à reafirmação de doutrinas religiosas que tendem a substituição a nacionalidade pela fraternidade de uma comunidade espiritual e com todas as consequências que daí advém.

Tomando o caso da Revolução Islâmica, diríamos que o fulgor religioso tende a desaparecer com o aparecimento de outros ideais, pois a proliferação dos ideais revolucionários não colheram tantos adeptos quantos inicialmente esperados. Possivelmente, o problema foi não só conjuntural como também estratégico, lembrando que o sucesso das ideias revolucionárias da República Francesa espalharam-se com os ventos da guerra de Napoleão. Ora foi esta espécie de cruzada que Khomeini não realizou, ambicionando que essa proliferação fosse realizada de livre e espontânea vontade dentro da comunidade islâmica, tão verdadeiros e supremos eram os valores que resultaram na Revolução Islâmica. Ou talvez Huntington tenha razão quando caracteriza o mundo islâmico como um pólo de conflitualidade e incompatibilidade com as restantes civilizações, e comecemos a assistir a uma guerra entre o Islão e o resto do mundo. O futuro dirá.




Bibliografia

Principal
  • Ahmed, Akbar, “O Islão”, Bertrand Editora, 2003
  • Davidson, Lawrence, “Islamic Fundamentalism, an introduction”, Greenwood Press, 2003
  • Kinzer, Stephen, “Os Homens do Shah”, Tinta da China, 2007
  • Costa, Hélder Santos, “O Martírio no Islão”, ISCSP, 2003
  • Costa, Hélder Santos, “Shiismo Iraniano: uma abordagem histórico-sociológica”, ISCSP, 2000
  • “Constituição da República Islâmica do Irão”, Embaixada da República Islâmica do Irão, 1986
  • Pollack, Kenneth, “The Persian Puzzle: The Conflict Between Iran and America”, Random House, 2004
  • Cambridge University, “The Cambridge History of Iran”, Cambridge, Vol. VII, 1968-1991

Complementar

Wikipedia
http://en.wikipedia.org

Msn Encarta
http://encarta.msn.com/encnet/refpages/RefArticle.aspx?refid=761588431

Internews
http://www.internews.org/visavis/BTVPages/Theislamicrevolution.html#Black_Friday

Macrohistory and world report
http://www.fsmitha.com/h2/ch29ir.html

Time.com
http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,912118-1,00.html

Iran Chamber
http://www.iranchamber.com/history/photo_albums/revolution79_album1/revolution79_album1.php

The Iranian
http://www.iranian.com/History/Feb98/Revolution/


  • Prólogo

  • Introdução

  • O Irão da Pérsia aos Safávidas

  • O Islão na Pérsia

  • O Irão dos Safávidas ao Pahlavis

  • O Jogo do Petróleo

  • O Início da Relação Irão-Ocidente

  • O Irão na II Guerra Mundial

  • O Irão na Guerra-Fria

  • O Projecto Reformista do Shah

  • Um Desagrado Crescente

  • As Manifestações de Janeiro, 1978

  • O Incêndio de Abadan

  • A Sexta-feira Negra

  • Os Últimos Dias do Trono do Pavão

  • O Período Pós-Revolucionário

  • Conclusão e Bibliografia
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