21 fevereiro, 2008

Bloco Caspiano, Integração Económica


Este é um conceito relativamente recente, passando a ser programatizado após o grande flagelo da II Guerra Mundial (1939-1945).

A integração económica é um fenómeno comum no mundo, quase todas as grandes economias mundiais encontram-se de alguma forma envolvidas em processos deste tipo.: EUA (NAFTA, entrando em vigor a 1 de Janeiro de 1994), Europa (União Europeia descendente do Tratado de Paris que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 1958), América do Sul (MERCOSUL, Tratado de Assunção de 1991), a integração está por toda a parte.


Os modelos de integração baseiam-se fundamentalmente na vontade dos Estados de obterem vantagens económicas que se definirão, entre outras, em termos de: aumento geral da produção, através de um melhor aproveitamento das economias de escala; aumento da produtividade conseguida através da exploração das vantagens comparativas entre sócios do mesmo bloco económico; estimulo á eficiência, através do aumento da concorrência interna.


Segundo a Teoria da Integração Regional, e do ponto de vista da ciência económica existem dois conceitos para uma melhor compreensão da mesma, o de cooperação económica e o de integração económica. Neste trabalho abordarei o segundo conceito, integração económica como já vem sendo notório com o até aqui explanado. Tendo em conta esta teoria, a integração económica consiste num processo que conduz á superação das barreiras comerciais para que se possa alcançar um mercado largado e único. Este processo iniciasse com a cooperação ao nível económico mas pode ir mais avante, o objectivo é a adopção de políticas comuns.

Do ponto de vista das Teoria das Relações Internacionais e segundo Ernest Haas a integração regional corresponde ao”processo através do qual os actores políticos, a partir de diversos enquadramentos nacionais, são persuadidos a transferir expectativas, lealdades e actividades políticas para um novo centro.”, Citando outro internacionalista, nomeadamente Karl Deutsch “a integração adquire um carácter político que poderá conduzir á situação em que um determinado grupo, num dado momento, num dado território alcancem um sentido de comunidade”.


Como já foi referido, a integração económica realiza-se através de um processo, ou seja, é faseado para que os objectivos sejam alcançados por todos os estados-membros que se empenham neste processo. As três fases iniciais deste complexo processo destinam-se á eliminação de barreiras tarifárias; zona de comércio livre, União Aduaneira e Mercado Comum. As restantes duas fases; União Económica e União Económica e Monetária correspondem à adopção por parte dos sócios de medidas macroeconómicos comuns e unificadas.


A afirmação de Ahmadinejad relativa à possibilidade de constituição de um bloco económico pelos países do Mar Cáspio não permite prever as reais possibilidades de tal se concretizar, as formas como se operará nem o alcance da integração pretendida, daí que o texto que se segue corresponderá a um exercício de imaginação baseado, no entanto, nas principais potencialidades e fragilidades do Irão, Azerbaijão, Rússia, Cazaquistão e Turquemenistão.

O primeiro passo a tomar por parte dos cinco estados corresponde à manifestação das suas vontades no sentido de juntos alcançarem um crescente e sustentado crescimento económico.

Segundo a tipologia apresentada correspondente às várias fases da construção de blocos regionais, a primeira designa-se por zona de comércio livre consistindo na abolição das barreiras e obstáculos ao comércio (barreiras tarifárias/direitos aduaneiros) por parte dos estados. Esta zona pressupõe a liberalização comercial (bens). No entanto, existe uma salvaguarda a ter em conta e que consiste no facto de todos os produtos a circularem nesta zona serem obrigatoriamente originários dos estados-membros.


Considerando as dependências externas que todos estes países partilham, pois as suas economias, embora com diversos índices de riqueza, derivados de maiores ou menores favorecimentos energéticos, todos dependem em larga quantidade de importações de produtos alimentares, nomeadamente milho, fruta, açúcar e cevada, juntamente com maquinaria e materiais siderúrgicos, como o ferro e o aço. Com efeito, tanto o sector primário como secundário pecam por fracos níveis de desenvolvimento, o que, considerando os processos inerentes a uma liberalização económica, mesmo que limitada aos países em apreço, resultaria seguramente num aumento da quantidade e qualidade de importações entre si. Se, por um lado, o Turquemenistão depende de largas quantidades de cereais, um bem alimentar que o Cazaquistão exporta, a malha de interdependências facilmente demonstraria os benefícios subjacentes à redução das ditas barreiras alfandegárias entre ambos. Para as restantes economias, a mesma lógica aplicar-se-ia.


A fase seguinte designa-se de União Aduaneira resultante da adopção por parte dos signatários de uma pauta aduaneira comum. Isto resulta na cobrança equitativa de taxas sobre os produtos por todos os estados da união.


Embora se caracterize por uma fase que envolva um maior grau de interdependência e vontade conjunta, não seria de surpreender a adopção de uma pauta aduaneira comum que delimitasse geográfica e economicamente um bloco regional de integração que rodeasse o Cáspio. A Federação Russa, claramente o actor economicamente mais activo e diversificado dos cinco, poderia imprimir uma dinâmica pró-activa assente na sua vasta experiência de integração de diferentes espaços sob um mesmo planeamento estratégico. Contudo, a sua acção teria necessariamente que ser contrabalançada pelo arranjo dos restantes Estados, sobretudo o Cazaquistão, Turquemenistão e Azerbeijão, que sofrendo inevitavelmente da influência directa dos seus vizinhos mais poderosos, vulgo Rússia e Irão, poderiam sentir-se absorvidos num processo de homogeneização da Ásia Central.


Logo, seria uma União Aduaneira multifacetada e abrangente a um conjunto de economias de características sui generis, cujos progressos de desenvolvimento poderiam resultar em melhores capacidades negociais com países extra-regionais. Certamente que isto implicaria a celebração de vários acordos de cooperação bilateral entre todos os Estados, como forma de reforçar o “vínculo” económico que os poderia unir. A lógica subjacente, neste tipo de União, seria a de uma aplicação de uma economia de escala alargada, dependente da especialização da produção em sectores específicos nos quais cada país pudesse, com a referida cooperação, assumir um papel preponderante de abastecimento junto dos restantes países, pela salvaguarda dos acordos provenientes da zona de comércio livre e subsequente proteccionismo bloquista face ao exterior.

A terceira fase, Mercado Comum resulta da livre circulação dos factores de produção (capital e mão-de-obra) que assim se juntam à livre circulação de bens e serviços.


Face aos países envolvidos neste processo de integração regional, a história não lhes é grata em matérias de livre circulação de factores de produção, nem de bens e serviços. Relembrando os tempos soviéticos, nos quais Moscovo era responsável pela gestão de uma economia centralizada e planificada de acordo com as necessidades de sustentação de todo o império comunista, deixando pouca ou nenhuma liberdade para uma autonomia político-económica de nível local. Como tal, o Cazaquistão, Turquemenistão e Azerbeijão, enquanto antigas repúblicas soviéticas onde o legado do Politburo é, ainda, bastante visível, viram o seu papel reduzido a um funcionalismo de doutrina marxista-leninista, no qual a sua economia fora instrumentalizada para servir as necessidades do gigante moscovita. Nesta época, o Cazaquistão, a título de exemplo, era largamente conhecido por “celeiro da União (Soviética)”, pois a sua enorme produção de cereais contribuía em grande parte para o abastecimento das populações, militares e civis, de toda a URSS.
No entanto, os tempos mudaram e aquando do colapso do regime, várias vaga de emigração afectaram a performance czaque, especialmente em mão-de-obra especializada, desvirtuando-a naquela produção na qual se tinha especializado.

Embora o paradigma se tenha alterado, a lógica subjacente de potenciação dos factores de poder económico que cada qual poderá desempenhar, para efeitos de dinamização de capacidades, reais e potenciais, persiste. A facilitação da mobilidade dos factores de produção, não só de mão-de-obra como também de maquinaria para as indústrias siderúrgicas respectivas e transferência de tecnologias várias, know-how e desmobilização de unidades produtivas para locais onde a sua produção e exportação fosse economicamente mais competitiva, tudo beneficiaria para uma melhor inserção no mercado internacional.


Na minha óptica, este seria certamente o estágio mais avançado de integração económica regional, de acordo com esta tipologia de Ernest Haas, que poderia expectar que estes parceiros regionais atingissem. Como qualquer outro bloco regional, o ímpeto fundacional provém sempre de uma vontade política de união pacífica de duas entidades tendencialmente conflituosas. Dada a multiplicidade de actores envolvidos na região, e as suas agendas em questões de política externa, para além das evidentes potencialidades de actuação na comunidade internacional.

Não obstante, voltaremos a estas motivações político-económicas num próximo capítulo, enquanto prosseguimos com uma breve referência aos restantes estágios da constituição de um bloco regional de integração. Assim, ao Mercado Comum segue-se a União Económica.


Quando a medidas adoptadas para a constituição de um Mercado Comum acrescentam-se medidas de uniformização das legislações nacionais relativas as questões económicas, e no qual se coordenam políticas económicas, financeiras e monetárias dos estados-signatários sob uma autoridade comum, estamos então perante uma União Económica. Como é óbvio, este é um estágio com muito pouca representatividade no sistema económico mundial contemporâneo, pois o nível de compromisso e interdependência que os Estados contratantes partilham, assim como o seu consentimento no respeito de legislação proveniente de um organismo jurídico-político superior à própria soberania dos Estados, envolve um conjunto de factores e condições muito específicas.

O estágio ou fase mais avançada de integração económica corresponde à União Económica e Monetária resultante não só dos preceitos inseridos no estágio anterior, como da adopção de uma moeda comum de forma a fazer essa mesma moeda mais forte relativamente às originárias dos estados-membros.


Tendo em conta os dados citados aquando da caracterização das economias dos cinco caspianos, poder-se-á olhar para as fragilidades e potencialidades dos cinco e tentar conjugar essas mesmas de forma a que dentro deste bloco cada um possa encontrar nos restantes signatários melhores parceiros económicos do que os países extra bloco, e desta forma potenciar a economia do mesmo. Esta sequência gradualmente mais complexa e integrada, serve-nos de útil guideline sobre possíveis processos de integração a efectuar no Mar Cáspio, seguindo-se ao discurso de Ahmadinejad. Contudo, seria necessário muito mais do que meras análises economicistas e cálculos de dependências em importações e exportações para conjecturar o surgimento de um real alinhamento estratégico entre os cinco países. É sobre essas motivações político-económicas que me debruçarei de seguida.


Como já referi anteriormente, a ideia lançada por Ahmadinejad acarreta bem mais do que meros objectivos económicos, e esses outros objectivos enquadram-se na esfera político-estratégica. Partindo deste ponto de vista, é evidente que, embora tenha sido o presidente iraniano a proferir a possibilidade do estabelecimento de um bloco económico entre os cinco Estados já variadíssimas vezes enunciados, o Irão não se assume como o único país com interesses político-estratégicos neste bloco; estes interesses são partilhados pelos restantes “caspianos”, embora com motivações distintas.


No caso iraniano, e tomando em conta o facto de este almejar o estatuto de potência regional no Médio Oriente, este bloco regional ofereceria uma maior sustentação económica com uma rede mais restrita de parceiros com os quais partilhavam compromissos sólidos e equitativos. Ao fomentar o crescimento económico ser-lhe-ia mais fácil tornar-se uma potência regional (estatuto este que disputa com a Arábia Saudita) dado que o sentimento hostil que tem para com os EUA, partilhado por muitos outros países muçulmanos da região, e a crescente influência que detém no Iraque, um país de maioria shiita, já se constituem como importantes factores para o tão desejado objectivo.


Devo igualmente salientar a extrema importância do Azerbaijão, melhor dizendo, como este país faz fronteira com o Irão e este é encarado como um Estado que coloca em perigo a paz mundial, segundo o discurso norte-americano, apresnta-se como fundamental na estratégia americana de hostilizar e pressionar Teerão a ceder relativamente ao seu programa nuclear. Ora, com a concretização deste bloco, Teerão traria para o seu lado Baku e acabaria com as pretensões americanas de aliciar o seu vizinho.
Há algo que, apesar de parecer um dado secundário nesta análise, deve ser encarado com alguma atenção - a religião. O Irão é uma República Islâmica, um país onde a doutrina seguida e institucionalizada é o shiismo duodecimano que, embora, corresponda a 10% dos crente do Islão, tem neste país e no vizinho Iraque uma grande força e vertente radical islâmica, dado que o Irão é considerado pela comunidade internacional com um Estado que apoia grupos terroristas islâmicos como o Hamas ou o Hezbollah. Ora, os restantes quatro Estados possuem comunidades muçulmanas. É então de esperar que o Irão com todo esse background seja capaz de apaziguar qualquer chama de fundamentalismo islâmico dos restantes “caspianos”, mantendo assim o bloco afastado de acesos religiosos que comprometessem futuros acordos.


Olhando agora para os interesses da Federação Russa, além das múltiplas vantagens económicas que deste bloco advirão, a prioridade deste major player consiste no retomar do posto de potência económica que persegue desde o colapso da União Soviética em 1991. A Rússia poderá vislumbrar nos restantes três Estados um ressurgir do espírito da velha União Soviética, não no sentido de uma economia centralizada, mas antes numa linha motivadora para que esses orientem e se especializem em determinados sectores da actividade económica.

O crescimento económico e militar que a Rússia tem vindo a alcançar desde a tomada de posse de Vladimir Putin em 1998 é fruto de uma vontade inabalável de voltar a ser uma super-potência. Para tal, a zona do Médio Oriente é de extrema importância, dado todo potencial energético desta região. Com a concretização deste bloco económico não só a Rússia aumentará a sua área de influência neste que é actualmente o centro do mundo, como minará os cada vez mais fracassados esforços americanos de dominarem a zona.


Com este possível bloco regional, a Rússia ver-se-á com uma maior margem de manobra para negociar com o Azerbaijão e Cazaquistão muito assediados por interesses tanto americanos como europeus, ao nível da NATO e a utilização de bases militares em território azeri e as enormes reservas petrolíferas e de gás natural que o Cazaquistão detém.
A religião, apesar da doutrina ortodoxa ser a mais professada pela maioria da população deste país, tem no Islão a segunda religião mais praticada (10%). Este facto é bastante evidente no sul do país, na fronteira com o Cazaquistão, Azerbaijão e Geórgia, e daqui decorre a importância do Irão na estabilização destas comunidades.

Relativamente ao Azerbaijão, Cazaquistão e Turquemenistão, estes assumirão este compromisso tendo como prioridades principais o combate à pobreza, o subdesenvolvimento, e dependência externa e o crescimento económico sustentado e acessível a todas as franjas da sociedade.

Há ainda a salientar a possibilidade destes cinco Estados encetarem esforços no sentido de uma cartelização do Cáspio. Tendo em conta a importância energética (gás natural e petróleo) que este mar interior representa, haverá no espírito dos governantes estatais destes países o objectivo de unificarem a política petrolífera desta região, centralizando a administração da actividade, o que inclui um controlo do preço e do volume de produção, estabelecendo desta forma uma forte pressão no mercado mundial.

Tendo em conta que a capacidade de produção e exportação deste conjunto de Estados é de, respectivamente, aproximadamente 15,7 e 10.5 milhões de barris por dia; considerando que a produção mundial de barris por dia em 2006 (todos os dados enunciados neste trabalho correspondem ao ano de 2006), rondava os 85 milhões de barris; disto resulta que a produção conjunta dos cinco países que banham o Cáspio corresponde a 18.5% da produção mundial, um valor significativo. Ao concretizar-se esta ideia de cartelização do Cáspio, o mercado petrolífero iria certamente ressentir-se, resultando em ganhos económicos e estratégicos para os cinco Estados-membros e em perdas para o mercado no geral que veria nascer mais um bloco centralizador, além da OPEP, do ouro negro.

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