20 dezembro, 2007

Esclarecimento perante tão grande post

Este último post, grande por sinal, é fruto de um trabalho em conjunto para a disciplina de Geopolítica. Dos seis temas que os professores nos apresentaram, ao meu grupo foi-nos pedido para que elaborássemos uma análise crítica relativamente ás implicações para a Europa da possível instalação pelos EUA de um escudo antí-míssil em duas das ex-repúblicas soviéticas, nomeadamente Polónia e República Checa.
Após uma exaustiva pesquisa feita a quatro o resultado é este aqui presente.
Esperamos no entanto, que a nota seja bastante positiva á semelhança do anterior trabalho: OPapel da Alemanha na Cena Internacional Entre as Duas Grandes Guerras, em que obtivemos 18 valores, em muito devido á excelente apresentação oral de um dos membros do grupo, o grande Tiago.

19 dezembro, 2007

As Implicações do Sistema de Defesa Anti-Míssil

AS IMPLICAÇÕES DO SISTEMA NORTE-AMERICANO
DE DEFESA ANTI-MISSIL PARA A EUROPA



Contextualização Histórica

A época da Guerra Fria foi aquela em que se investiu mais na área da defesa e do armamento. Foi aqui que começou a ideia de desenvolver sistemas anti-mísseis capazes de proteger o país de um ataque inimigo com Misseis Balísticos. Em 1950 os Estados Unidos desenvolveram o programa Nike-Zeus para interceptar ICBM's (Intercontinental Balistic Misseles) Soviéticos. Mais tarde, em 1963, o Secretário da defesa norte-americano, Robert McNamara, sugeriu a implementação do Sentinel Program, que conseguiria proteger praticamente todo o território americano. Porém, mais tarde, em 1967, o mesmo McNamara anunciou o Safeguard Program, uma versão menos sofisticada do Sentinel Program. O Safeguard Program tinha inicialmente como objectivo proteger algumas cidades norte americanas. Mais tarde, o seu propósito foi reformulado para a protecção dos sistemas de mísseis norte-americanos de modo a permitir um contra-ataque.

A 23 de Março de 1983 o Presidente Reagan anunciou aquela que foi a proposta mais ambiciosa até aos dias de hoje em matéria de sistemas anti-mísseis. Formalmente, este programa chamava-se Strategic Defense Initiative (SDI), porém, cedo foi apelidada de “Guerra das Estrelas”. O objectivo deste sistema era proteger não só os Estados Unidos mas também todos os seus aliados. Através de uma forma estratégica de defesa, o SDI pretendia acabar com a doutrina da Destruição Mútua Assegurada (MAD na sigla original) que o Presidente Reagan classificava como “suicida”. Porém, alguns dos seus críticos afirmaram que iriam encorajar a militarização do espaço. Foi também classificado por estas vozes críticas como demasiado ambicioso e tecnologicamente inviável. Embora ele nunca tenha sido realizado na sua totalidade, as pesquisas realizadas para o SDI abriram caminho para algumas das componentes de sistemas anti-mísseis de que dispomos actualmente.

Nos anos 90 os Estados Unidos deixaram de tentar criar um sistemas anti-mísseis que os protege-se de ataques sofisticados, para investir em sistemas mais modestos apenas eficazes em caso de ataques moderados por parte de “Estados Pária” e de grupos terroristas. A administração Clinton que pretendia a criação de sistema de defesa compatível com o Tratado ABM e reiterou a necessidade de uma interpretação literal desse Tratado.

A Doutrina MAD e os Tratados de Redução de Armamento Estratégio

No que diz respeito à doutrina da Destruição Mútua Assegurada, que se insere na Teoria da Intimidação, ela baseava-se na premissa de que nenhum Estado atacaria primeiro pois a resposta do opositor levaria à destruição de ambos. Realmente esta doutrina assegurava a paz mas uma paz muito tensa. Foi utilizada durante a Guerra Fria e conseguiu evitar um conflito directo entre os dois blocos, porém à custa de guerras proxy de menor dimensão em várias regiões do mundo.

No que diz respeito aos Tratados de Não Proliferação (TNP), em 1972 foi assinado o Tratado ABM (Anti-Balístic Missil System) depois revisto em 1974 entre os Estados Unidos e a União Sovietica. Este tratado proíbe o desenvolvimento, teste ou posicionamento de um sistema de defesa nacional marítimo, aéreo, ou móvel terrestre contra ataques de mísseis balísticos estratégicos. Em 1974, os dois signatários do tratado concordaram que cada um deles teria permissão para manter uma área de posicionamento de ABM. Embora a Rússia continue a manter uma defesa ABM para Moscovo, os Estados Unidos desactivaram a sua em 1976 após usá-la por pouco tempo para defender a sua área de lançamento de mísseis balísticos intercontinentais no Dakota .

O Tratado ABM foi a base para outros acordo sobre o controlo de armamento tais como o SALT I, assinado em 1972 que previa a limitação das armas estratégicas dos Estados Unidos e da URSS e a assinatura do SALT II em 1979, que era uma prorrogação das negociações do SALT I. Em 1987 foi assinado, também entre os Estados Unidos e a União Sovietica o Tratado INF (Intermediate-Range Nuclear Forces Treaty). Em 1991 entrou em vigor o START I (Strategic Arms Reduction Treaty), cujas negociações tinham sido iniciadas em 1983 e em 1993 entrou em vigor o START II. O Tratado ABM foi a base de tratados de não proliferação de armas nucleares, redução de forças convencionais e armamento. Porém, em Junho de 2002 os Estados Unidos decidiram abandonar o Tratado ABM e um dia depois a Russia abandonou o START II. A administração Bush afirmou que o Tratado ABM os impedia de desenvolver um sistema capaz de proteger efectivamente os Estados Unidos.

Actualmente, o objectivo do National Missile Defense continua a ser desenvolver um sistema que proteja os Estados Unidos contra ataques de misseis balísticos. Os grandes receios dos Estados Unidos centram-se sobretudo em disparos acidentais ou não autorizados e na ameaça que os Estados Pária representam. Embora estejamos a falar de um sistema altamente sofisticado, são-lhe apontadas algumas graves falhas, senda a mais significativa a de apenas ser eficiente para misseis de longo alcance.

O Funcionamento do Sistema de Defesa

O BMDS que está a ser concebido neste momento tem a vista a possibilidade de destruição do míssil numa das suas 3 fases. A fase inicial (boost phase) é muito breve, o que faz com que só seja possível neutralizar o míssil nesta fase caso a resposta seja extraordinariamente rápida. Porém, a destruição do míssil nesta fase apresenta múltiplas vantagens, tais a de ser possível destruir o míssil por inteiro. A segunda fase (midcourse phase) é mais longa, o que faz com que existam mais oportunidades para abater o míssil. Porém, é nesta fase que são accionadas as medidas para tentar despistar o sistema anti-míssil, tais como o uso de decoys. Caso se pretenda abater o míssil na sua última fase (terminal phase) é necessário ter a certeza que a intercepção se dá a uma distância significativa do alvo do míssil, de forma a que este não seja acidentalmente danificado.

Muitos críticos afirmam que este é um sistema muito caro e pouco eficaz, visto não poder proteger contra ataques de misseis de curta ou media distância. É também um sistema passível de aumentar a desconfiança entre os Estados e provocar uma nova corrida armamentista. Para além do mais, é questionável se os Estados Unidos irão enfrentar qualquer ameaça deste genéro a médio prazo. Foi tudo isto que levou Maureen Dowd a fazer a seguinte afirmação acerca do NMD: “Defense that doesn't work against a threat that doesn't exist”.
O Papel dos Estados Unidos

A Perspectiva Norte-Americana

Os Estados Unidos afirmam que, actualmente, os regimes políticos mais perigosos e imprevisíveis do globo possuem, ou planeiam possuir em breve, armas de destruição massiva. Armas estas progressivamente mais mortais e sofisticadas. Perante esta conjuntura, a ameaça de mísseis balísticos que hoje se apresenta pelas mãos deste estados hostis é profundamente diferente da ameaça vivida durante a Guerra Fria e que o ambiente de segurança internacional é hoje exponencialmente mais complexo e imprevisível do que era aquando da queda do Muro de Berlim (1989) e do colapso da União Soviética (1991). É no seguimento desta referida alteração de cenário que os norte-americanos definem a sua defesa por via de mísseis como apenas um elemento de uma abordagem estratégica multifacetada que contém igualmente: diplomacia, controlo de exportações, assistência de redução às ameaças e programas de não proliferação. A defesa anti-míssil é assim descrita como o último recurso caso todos os recursos supra referidos não gerem resultados e será apenas utilizada por via meramente defensiva e nunca num contexto de agressividade.

A Importância da Europa e os Casos Particulares da Polónia e República Checa

É convicção americana que, num mundo gradualmente mais afectado pela crescente ameaça bélica por parte de novos actores no plano das relações internacionais, é necessário protegerem não apenas o seu território interno mas também o território dos seus amigos e aliados. A segurança transatlântica é, na visão norte-americana, indivisível pois se a Europa não estiver segura, os Estados Unidos também não estarão. Para assegurar a segurança de ambos os lados do Atlântico é necessário que as defesas necessárias para garantir a referida segurança mútua esteja sedeada e operacional em solo europeu antes que uma potencial ameaça se manifeste. É sobre estes pressupostos que os Estados Unidos pretendem colocar dez mísseis de longo alcance na Polónia e um radar na República Checa.

A intenção americana de estabelecer uma parte da sua estratégia de defesa anti-míssil na Polónia e República Checa tem levantado intensas objecções por toda a Europa. Esta inquietação de muitos Estados Europeus pode ser analisada segundo alguns pontos chaves como as repercurssões nas relações Europa-Rússia, qual a extensão da ameaça proveniente do Irão e qual o papel concreto dos europeus e da NATO na área em questão.

Não obstante as críticas, os Estados Unidos justificam a escolha destes dois países como os receptores do NMD (National Missile Defense) na Europa através de diversos pontos. Primeiramente, os mísseis interceptores previamente estabelecidos no Alaska e Califórnia não possibilitam a protecção da Europa. Numa análise aprofundada a ambos os países em análise, tanto a Polónia como a República Checa demonstram ser localizações primordiais pois permitem, por um lado, uma maior cobertura de área e, consequentemente, uma maior defesa do continente europeu em caso de um ataque com míssil balístico de longo alcance proveniente do Médio Oriente e, por outro lado, conferem também uma protecção adicional ao território norte-americano no caso de algum Estado do Médio Oriente lançar ICBMs à referida área geográfica. Em conclusão, o estabelecimento de dez mísseis interceptores na Polónia – que os Estados Unidos apresentam como meramente defensivos – e de um radar na República Checa – que se encontra actualmente nas Ilhas Marshall (centro do Oceano Pacifico) – permitirá maximizar a defesa tanto do território europeu como do território americano.

A Ameaça do Médio Oriente – Irão e Coreia do Norte

Os Estados Unidos têm na sua apreensão para com o desenvolvimento de mísseis balísticos e programas de testes sobre os mesmos levados a cabo pelo Irão e Coreia do Norte, dentro das suas actividade actuais de proliferação nuclear, como um dos principais argumentos para a criação e manutenção de um sistema de defesa anti-míssil na Europa. A Defense Intelligence Agency (DIA) explicitou publicamente no início de 2007 a existência de programas ambiciosos de desenvolvimento de mísseis balísticos por parte da Coreia do Norte e a exportação de mísseis e tecnologia bélica para outros países, incluindo o Irão. O Irão por seu lado, além do apoio Norte Coreano para o desenvolvimento dos seus próprios programas de mísseis, conta ainda com a assistência da Rússia e da China para os mesmos efeitos.

A provar-se a capacidade efectiva do Irão possuir e utilizar mísseis balísticos, estes atingiriam, se lançados, partes do sudeste e centro europeu, Turquia, Israel e bases militares americanas no Golfo Pérsico. Estima-se também que antes de 2015 o Irão seja capaz de desenvolver ICBM’s que atingirão tanto o território norte-americano como todas as regiões europeias. É no seguimento deste aumento de poderio bélico que os Estados Unidos vêem um sistema de defesa anti-mísseis sedeado na Europa como uma clara capacidade de resposta a um possível ataque proveniente do Médio Oriente e assim contornar a possibilidade de serem apanhados desprevenidos em relação a um ataque dos referidos países.

NATO – Aliado Real ou Mero Espectador?

As vozes dissidentes e críticas sobre o efeito de mísseis de cariz puramente americano em solo europeu e afectando países membros da NATO sem a Organização ter uma palavra decisiva na matéria. Em resposta a estas críticas, os Estados Unidos promovem uma retórica de cooperação e entendimento entre os seus planos militares e as directrizes da NATO chegando mesmo a afirmar o total aval da organização em relação aos seus planos de defesa anti-míssil. Assente nesta lógica são estipulados uma série de benefícios resultantes da presença do Sistema Anti-Míssil Americano na Europa e em particular para a NATO.

Em primeiro lugar, a possibilidade de estender o raio de protecção defensivo europeu contra mísseis balísticos de longo alcance, melhoraria a segurança colectiva da aliança e consequentemente fortaleceria a unidade transatlântica e ainda um reafirmar do compromisso americano para com a segurança do continente europeu. Em segundo lugar, esta seria uma excelente oportunidade para partilhar tecnologia e poupar nos custos económicos dos próprios programas defensivos da NATO. Em terceiro lugar, a possibilidade da organização poder utilizar a infra-estrutura do sensor norte-americano num futuro sistema defensivo da própria NATO para proteger população e território. Em último lugar, cria-se uma rede de partilha de informações em torno dos países dos países envolvidos no processo.

Posição Americana Perante a Rússia

É explícito o cuidado, por parte dos Estados Unidos, em deixar claro que o Sistema Anti-Míssil que estes pretendem instalar na Europa não pretende, nem nunca pretenderá, ser uma ameaça para a Rússia. No âmbito desta clarificação e tentativa de acalmar as suspeitas e fortes críticas já publicamente citadas por Vladimir Putin, os norte-americanos declaram, não só a existência de um fluxo constante de informação para manter a Rússia constantemente ao corrente na política americana de defesa anti-míssil, como denunciam a incapacidade do seu próprio sistema face a uma ameaça russa pois a larga força estratégia ofensiva da Rússia pode facilmente superar o sistema norte-americano devido ao reduzido número de mísseis interceptores e também ao tempo insuficiente para conseguir detectar e responder a uma ameaça da Rússia Ocidental.


O Papel da Rússia

O Fim do Entendimento EUA – Rússia


A intenção norte-americana, vinda a público em 2001 em instalar um sistema anti-mísseis na Europa de Leste, veio inaugurar uma nova frente de conflitos e instabilidade. Mesmo sem representar uma guerra propriamente dita, dado que para já a guerra é apenas verbal, não deixa de ser perigosa, e de novo num continente europeu que tinha alcançado uma certa paz e cooperação entre as suas múltiplas nações, pois, à excepção do Kosovo, pouco ou nada divide a Europa de Lisboa aos Urais.

Ninguém esperava o renascimento das velhas controvérsias do tempo da Guerra Fria, tantos anos após o fim da divisão mundial em dois blocos antagónicos e 35 anos após a assinatura do Tratado ABM de 1972 que previa a interdição e expansão de sistemas anti-mísseis. Este mesmo tratado foi abandonado pelos EUA em 2002 de forma a encetar os seus planos expansionistas no âmbito de sistemas de defesa anti-mísseis que vão desde o Alaska, Califórnia, Gronelândia, entre outros e agora a possibilidade de mais um sistema, este agora na Europa de Leste.

Com enorme relevância neste contexto goza um outro tratado assinado por estes dois países em 1987 que, na altura, fez aumentar a segurança na Europa e colaborou para o fim da Guerra Fria. Na ocasião, os EUA destruíram cerca de 850 ogivas nucleares, enquanto que a União Soviética eliminou outros 1850 dispositivos. Este tratado previa o fim da produção e utilização de mísseis nucleares de médio e longo alcance. O governo de Vladimir Putin anunciou que este acordo seria abandonado caso o governo norte-americano desse continuação à sua intenção de instalação do seu sistema de defesa.



A Resposta Russa

Moscovo mostrou-se, desde o anúncio americano, claramente em desacordo perante tal intenção, considerando uma afronta à sua segurança dado que o projecto seria implementado mesmo à sua porta e em duas das suas ex-Repúblicas soviéticas, nomeadamente Polónia e República Checa. Os argumentos norte-americanos, por seu lado, acentuam com premência a intercepção de lançamentos de mísseis terrestres por parte do Irão e da Coreia do Norte. Já Vladimir Putin encara este projecto como uma tentativa de resposta ao crescimento do poder militar do seu país, afirmando igualmente que tal projecto não superará a eficácia do arsenal estratégico russo durante os próximos quinze anos. Putin acrescenta ainda que a avaliação feita pela administração americana relativamente ao Irão é errónea, dado que estes não estarão a ter em conta a ampla dependência iraniana de tecnologia e capital russo para o desenvolvimento do seu programa nuclear. Ademais, desde 2001, a Rússia vem dizendo que também possui planos de desenvolvimento de sistemas semelhantes, e exemplo disso é um sistema que funciona perto da capital, Moscovo.

Como forma de superar as divergências entre os dois países, em Junho deste ano, Moscovo propôs a Washington a utilização em conjunto do radar de Gabalá que a Rússia aluga ao Azerbaijão, sendo que este país manifestou prontamente a sua disposição em ceder este radar para a utilização dos dois países, no quadro de um sistema conjunto de defesa anti-mísseis. Putin propôs igualmente a utilização de outra estação que está a ser construída na Rússia. O radar de Gabalá, posto em serviço em 1985, e a 200 km da fronteira com o Irão, permite controlar uma grande área do hemisfério sul, dado que possui um alcance de 6000 km, embora não sirva para guiar mísseis interceptores. George W. Bush declarou que a proposta moscovita não é totalmente descartável e que poderia ser incluída como parte de um sistema mais vasto de controlo de ameaças, no entanto, deixou claro que o plano com base na Polónia e na República Checa continua a ser a opção mais promovida por Washington.

Tendo em conta todos estes factos, este sistema poderá originar uma nova corrida armamentista para criar um sentimento de equilíbrio de balança de poder. Os receios russos acabam por ter uma grande dose de legitimidade, uma vez que à medida que se vão reerguendo das cinzas pós-colapso soviético, o governo norte-americano atento a tal facto não mede esforços para contrariar e minar possíveis zonas de influência russa. Esta almeja consolidar o seu reaparecimento na cena internacional e fará todos os possíveis de forma a diminuir a ingerência americana em zonas que Moscovo considera serem de sua influência. É igualmente interessante o facto deste projecto americano poder representar uma tentativa de Washington enfrentar a Rússia em solo europeu e assim criar uma nova divisão, um novo Muro de Berlim voltando o velho continente a ser palco de uma disputa entre os velhos rivais ideológicos.






O Papel da Europa

A Particularidade Geopolítica da Europa

Com efeito, a última grande consideração que há a realizar relativamente às implicações do sistema de defesa anti-míssil tem necessariamente que reflectir a posição europeia na mesma problemática. Numerosos analistas tais como Kissinger e Gray, existem no entanto diversas e importantes considerações a tecer relativamente à posição dos vários Estados europeus relativamente à sua percepção hierarquizada de ameaça. Desta forma, seria um erro admitirmos como paradigma descritivo da Guerra-Fria a existência de um sistema de alianças rígido e bipolar composto por duas superpotências e suas respectivas esferas de influência de âmbito mundial. Segundo esta tese, o Velho Continente seria um mero condomínio americano-soviético no qual os interesses geoestratégicos das grandes potências se reflectiriam em prol do containment de Kennan, subordinando a Europa Ocidental à política externa norte-americana, e para além da Cortina de Ferro referida por Churchill, Moscovo dominaria então todo o império comunista.

Toda a retórica atribuída à construção de um sistema de defesa anti-míssil, nos seus vários estágios como ficou patente no primeiro capítulo, sempre foi, pois, um assunto de uma sensível importância. Por múltiplas razões, sobretudo históricas e políticas, os Estados europeus sempre se procuraram distanciar, e se possível anular, não só da constante ameaça que veio de Leste, ao mesmo tempo que projectavam no resto do mundo os seus poderios imperiais, sobretudo português, espanhol e britânico. No entanto, a partir das Invasões Napoleónicas, este “equilíbrio instável” foi abruptamente quebrado, e desde então o Euromundo observou um contínuo retrocesso até às suas fronteiras continentais de partida, simbolizado epigraficamente pela Descolonização. Todo o período da Guerra-Fria mais não foi do que um estágio nessa longa luta contra a perda de influência do Euromundo nas relações internacionais, ia concedendo, obstinadamente, possibilidades para que potências estrangeiras subvertessem o equilíbrio europeu de potências.

De forma quasi lapidar, a Cortina de Ferro representava, de facto e de jure, a clivagem que intermediava dois mundos: o capitalista liberal norte-americano; e o marxista-leninista soviético. A ordem europeia nasceu, no pós-II Guerra Mundial, das repercussões do Plano Marshall e do Comecon, e a problemática relativa ao sistema de defesa anti-míssil reflectia essa dualidade. No âmbito da Doutrina MAD, o espectro nuclear-militar sempre assombrou a forma como a Europa vislumbrava o seu papel nas relações internacionais bipolares, tal como ficou patente na crise dos mísseis nucleares ofensivos que os EUA pretendiam colocar em território europeu, nomeadamente na Alemanha Federal, durante a década de 1980, na administração Reagan. Os mesmos epifenómenos manifestam-se na actual tensão envolta na construção de um novo sistema de protecção anti-míssil em territórios polaco e checo. Dividida entre defensores da importância do sistema perante quaisquer tipos de ameaças baseado na supremacia tecnológica do projecto, ou aqueles que continuam a reiterar o fim da lógica bipolar dos quarenta anos antecedentes, nomeadamente a esquerda europeia, o Paradoxo do Poder de Nye, parece impor-se com veemente resolução.

Segundo a mesma tese, e em matérias de política externa, os EUA necessitam desenvolver redobrados esforços multilaterais para assegurar a sua base de sustentação do estatuto que hoje têm no panorama internacional. Tal passa por uma aproximação a Moscovo, simultânea à construção de um laço transatlântico mais acentuado e profundo, de forma a cimentar um efectivo diálogo tripartido no que se refere a questões essenciais ao funcionamento, estabilidade e segurança do actual sistema internacional. É neste intuito que várias facções dentro da União Europeia têm realçado a importância que fóruns de discussão e acção como o Conselho de Segurança das Nações Unidas, o Conselho NATO-Rússia, Acordos de Parceria e Cooperação, e Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade de Estados Independentes, representam na tentativa de construir um novo entendimento entre as grandes potências. Segundo várias autoridades, políticas e científicas, é esse mesmo entendimento que o sistema de defesa anti-míssil vem ameaçar, contribuindo para uma crescente escalada de hostilidade na retórica de Washington, com George W. Bush, e Moscovo, com Vladimir Putin. Ademais, entre pretensões estratégicas alegadamente de defesa, contra ameaças de ataques não-autorizados ou provenientes de Estados Párias, e acusações de interesses expansionistas como leitmotiv para o mesmo sistema, a União Europeia vai procurando demarcar a sua posição como lhe é historicamente característico – conciliando os fantasmas de Leste e as pretensões de Oeste como forças motrizes para acelerar o seu projecto europeu, almejando uma maior coesão em termos de política externa e de defesa, enquanto pretende realçar o seu papel autónomo nas relações internacionais neste mundo globalizado.

O Panorama Intra-Europeu

Em termos exclusivamente europeus, o apoio incondicional da Polónia e República Checa relativamente à construção e instalação das respectivas bases que servirão o programa de defesa reflecte, também ele, percepções maioritariamente históricas, embora não descurando subdimensões como a estratégico-militar, cultural, económica, etc. Considerando a ameaça comunista de décadas anteriores, e subsequente entrada na OTAN uma vez fragmentado o império soviético, tem sido evidente a sua gradual mas constante tentativa de aproximação ao bloco de interesses da Europa Ocidental, afastando-se subsequentemente da esfera de influência agora russa. Nesta lógica, e não obstante o aparente desagrado das comunidades locais, estes países têm demonstrado com tradicional perseverança o seu intrínseco interesse em assegurarem junto de instituições exclusivamente europeias, como a União Europeia, a sua autonomia face ao “inimigo de Leste”, comportamento esse transversal a numerosos outros países e antigas repúblicas da URSS. Ademais, e como forma última de salvaguardarem um apoio pró-activo e considerável face à sua aparente vulnerabilidade, prestarem os seus territórios para colocação de bases norte-americanas garantes-lhes o derradeiro factor de dissuasão face a qualquer intento russo, ou sequer de Estados Párias, considerando a argumentação norte-americana.

No entanto, é do nosso entendimento que factores geopolíticos de tensão e fragmentação na região da Europa de Leste, como os modelos de Karl Haushofer, Saul Cohen, Nicholas Spykman, Halford Mackinder, Kissinger e inclusive Samuel Huntington continuarão a desempenhar um papel crucial na forma como as diferentes percepções estratégicas mundiais de potências interagem, como aquela dos Estados Unidos da América, da Rússia, e da União Europeia, conceito usualmente referido por “Worldviews” ou “Weltpolitik” à maneira de Guilherme II.

Entendemos ainda que, na óptica europeia, assistimos a um gradual retrocesso na forma através da qual a União Europeia, e os seus diversos Estados-membros, manifestam o seu apoio ao desenvolvimento da política externa norte-americana, especialmente nos assuntos que concernem o próprio espaço europeu, ao mesmo tempo que se mantém a histórica distância de segurança/contenção perante o poderio russo, ainda que meramente potencial. Este retrocesso parece animar o actual desenvolvimento do projecção de integração comunitária, que em muito beneficiou com o final da Guerra-Fria, estendendo-se agora de Helsínquia a Nicósia, de Lisboa a Riga, albergando um total de 27 Estados numa comunidade nunca antes testemunhada na História.

Considerações Finais

Tomando em consideração as análises supra referidas, que procuraram reflectir várias dimensões desta problemática, é agora tempo de elaborarmos uma reflexão crítica conclusiva da matéria. No âmbito da NATO e embora este sistema se afigure como uma útil extensão à sua capacidade defensiva militar que abrange os estados membros europeus, a possível implementação desse sistema de defesa anti-míssil a soldo dos Estados Unidos antevê o surgimento de divergências que outrora foram atenuadas pelo imediatismo de uma ameaça de leste. Com efeito, a própria redefinição do papel da NATO num contexto europeu alargado têm sido objecto de acérrimas discussões após a queda do bloco soviético. Secundarizando a natureza eminentemente defensiva a aliança tem demonstrado, através da celebração de diversas parcerias e acordos com estados do seu near abroad, uma pretensão crescentemente política. Sendo motivada por um núcleo de interesses de estados que contribuem para o grosso do seu orçamento, nomeadamente EUA, Reino Unido e Alemanha, temos vindo a observar a um gradual desfasamento entre a ponta de lança estratégica motivadora de novos avanços e a retaguarda legitimadora que confere à aliança um aparente sentido de unanimidade operante. Desta forma, não obstante esta transformação, a organização continua a representar um importante fórum de posições estratégicas, historicamente ameaçadas e vulneráveis a alterações político-militares constantes, provenientes sobretudo dos Balcãs, do próximo Oriente e o grupo de países da comunidade de estados independentes que servem de intermediação entre o espaço russo-europeu e os estados da Europa Central. Por outras palavras, os interesses estratégicos de estados menores impelem-nos a procurar na NATO uma salvaguarda à sua soberania.

Nesta lógica a funcionalidade e potencialidade deste sistema de defesa anti-míssil para esta região fragmentada constitui um factor acrescentado de estabilidade face a qualquer ameaça emergente ou ao previsível ressurgimento do colosso moscovita.

No entanto esta gestão de interdependências não é assim tão transparente. Para além dos óbvios laços étnico-culturais partilhados pelas diversas comunidades eslavas dispersas por todo o leste europeu, há também a considerar a influência histórica e contemporânea manifestada nas suas vertentes militar, política e económica, influência essa proveniente da Rússia que impede um claro alinhamento estratégico na região. Logo, o sistema supra referido exacerba divergências percepcionais distintas não só históricas como futuras contribuindo assim para uma fragilização da precária coesão europeia. Como não poderia deixar de ser, esta primeira dissensão tem efeitos subsequentes nos campos político e económico do próprio processo de integração comunitário. Sendo certo que a União Europeia assenta numa lógica primariamente economicista de espírito liberal, não admira que nas esferas política e estratégico-militares, estas dissensões se tornem ainda mais evidentes. Há pois que referir quais as possibilidades estratégicas que poderão advir desta discordância.

Considerando a complexa malha de interdependências que a União Europeia partilha com o resto do mundo, com especial enfoque para os Estados Unidos e Rússia, é de esperar um gradual afastamento estratégico e geopolítico por parte daquela em relação a estes. Dependendo das fontes energéticas provenientes da Rússia, e os constantes entraves que esta representa ao próprio processo de alargamento e integração, somando-se a isto a intrínseca comunhão de valores, interesses, politicas e culturais que partilhamos com os Estados Unidos, esse afastamento afigura-se como um dos maiores desafios que a própria União Europeia enfrentará no século XXI. No entanto, desta crise não advirão comportamentos inesperados dada a complexidade, apoiada em várias décadas de conjuntura adversa, na qual a Europa se viu submersa num bloco ocidental sedeado na América do Norte.

Com efeito surgem três cenários: a Europa aproxima-se gradualmente de Moscovo, dispensando para isso laços privilegiados com Washington; a lógica inversa verifica-se e assiste-se a um distanciamento acentuado em relação à Rússia, reforçando assim a aliança transatlântica; ou a Europa surge, ela própria, como uma unidade geoestratégica e geopolítica substancialmente autónoma. Em qualquer um dos casos, tais processos sofrem necessariamente com os vários desenvolvimentos históricos emergentes que causam erosão nessa definição de interesse estratégico. Logo, perante tal diluição, cabe-nos a nós, enquanto povo europeu, definirmos as nossas ambições de futuro. É de esperar, sob as forças das circunstâncias uma possível afirmação de uma Europa como um todo unido, coeso que tem uma única voz no plano internacional ao invés das actuais divergências que emergem sempre que uma problemática internacional surge. No entanto, tal emergência de uma “Europa unida” dependerá maioritariamente da evolução que o processo de integração europeu tomará, não esquecendo contudo a importância que as influências americana e russa têm no contexto europeu.




Bibliografia

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_______________, Diplomacia, Gradiva, 2007
Nye, Joseph N., Compreender os Conflitos Internacionais, Gradiva, 2002
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Marshall, George, “The Marshall Plan Speech”, at Memorial Churchill, Harvard University, 1947
Dias, Carlos Manuel, “Geopolítica: Teorização Clássica e Ensinamentos”, Prefácio, 2005
Defarges, Philippe Moreau, “Introdução à Geopolítica”, Gradiva, 2003
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Rech, Marcelo, Um Radar para Assar Europeus?, Disponível na Internet em: http://www.jornaldefesa.com.pt/conteudos/view_txt.asp?id=521, 2007
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BBC News, Q&A: US Missile Defense, Disponível na Internet em: http://news.bbc.co.uk/2/hi/americas/696028.stm, 2007




Trabalho realizado por:
Joana Gonçalves
Milene Batista
Sofia Alves
Tiago Maurício

13 dezembro, 2007

PortugalMUN 2007. Orgulhosamente Iraniana

Os últimos dois posts foram aqui introduzidos dado estarem intrinsecamente ligados à minha participação no PortugalMUN2007 como representante da República Islãmica do Irão (curioso).
Esta iniciativa é realizada em Portugal desde 2003 e consiste na simulação do modus operandus dos vários comités das Nações Unidas. Esses comités são preenchidos por estudantes interessados nas lides internacionais. Creio que são iniciativas que pecam pelo número reduzido, mas que nos dão experiência a vários níveis (oral, social, cultural...).

Este ano teve lugar no ISCSP nos dias 10, 11 e 12. Foram dias extremamente cansativos mas muito enriquecedores, uma experiência que recomendo.
Como representante do Irão no Conselho de Segurança no âmbito do seu Programa Nuclear tive de escrever um discurso de abertura para a Assembleia Geral que teve lugar no primeiro dia, e um position paper que foi entregue aos restantes delegados do Conselho de Segurança. A elaboração destes dois documentos foi feita após uma cuidada análise sobre toda a temática envolvente.

A minha tarefa no Conselho de Segurança não se revelava fácil, no entanto, e até surpreendentemente, acabou por ser aprovada uma resolução favorável aos interesses iranianos. Esta resolução transmitia por unanimidade a necessidade de um esclarecimento resoluto e definitivo sobre o programa nuclear iraniano levado a cabo pela AIEA, e que após um relatório positivo desta agência para com o Irão ser-lhe-iam retiradas todas as sanções económicas impostas por anteriores resoluções emandas do Conselho de Segurança.
Tarefa cumprida, o meu grande obrigada ao Tiago Maurício pela sua enorme paciência durante o PortugalMUN e pela redação da resolução que em muito agrada os interesses iranianos (agradariam certamente caso fossem reais).

12 dezembro, 2007

A República Islâmica do Irão perante a Assembleia Geral da ONU

Comité: Conselho de Segurança
Tópico: Irão e a Questão Nuclear
País: República Islâmica do Irão
Faculdade: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas


I. Discurso de Abertura

Em nome da República Islâmica do Irão, enquanto membro fundador da Organização das Nações Unidas pela sua ratificação da Carta na Conferência de São Francisco de 1945, e país em direito de igualdades e circunstâncias com os restantes membros da Comunidade Internacional, entende que as negociações a decorrer nos próximos dias serão um marco histórico na negociação das nossas capacidades energéticas.

Conforme pretenderemos evidenciar, o Irão reitera as suas intenções benignas e puramente pacíficas do actual programa de investigação e desenvolvimento de tecnologia nuclear civil, programa esse devidamente assistido pelo funcionamento de um complexo industrial de alta tecnologia e assistido por know-how internacional, nomeadamente russo, chinês e americano.

Neste complexo industrial, os relatórios da Agência Internacional de Energia Atómica apenas apontaram reticências relativamente a três centrais, a de Bushehr, Natanz, e mais recentemente, a de Arak. Em nenhuma delas se procede ao enriquecimento de urânio nas concentrações necessárias para o fabrico de combustível para fins de desenvolvimento de armamento nuclear.
A problemática da nuclearização do Irão é, portanto, uma falsa questão, e a nossa delegação procurará por todos os meios possíveis assistir os diversos órgãos de autoridade sob a bandeira das Nações Unidas, de forma a esclarecer quaisquer mal entendimentos ainda existentes. Ainda nesta linha de pensamento reiteramos que não faz qualquer sentido o continuo fabrico de bombas nucleares além das já existentes e que mesmo essas deveriam ser objecto de desactivação para que possamos viver em segurança e num clima de estreita confiança e cooperação internacional
A República Islâmica do Irão não tem poupado esforços na denúncia de práticas discriminatórias em nosso prejuízo, apesar de nos encontrarmos em minoria. Não obstante as sucessivas resoluções emanadas do Conselho de Segurança (Resolução nº1696, resolução nº1737 e nº1747) que, ao longo dos últimos anos, têm imposto à nossa economia sérios entraves ao pleno desenvolvimento, continuamos a entender que será pela refutação inequívoca de todas as acusações contra nós dirigidas que o Irão será novamente visto pela comunidade internacional como um actor pacífico e cooperante. E é com essa missão que aqui me encontro.

Com efeito, as circunstâncias estão agora reunidas para a cooperação multilateral das partes envolvidas cujos resultados diplomáticos poderão ser extremamente bem sucedidos, não só contribuindo para o desanuviamento, como ainda para o desenvolvimento de estratégias de aproximação que permitam uma estabilidade e prosperidade internacionais a todos satisfatórias. Conforme o recente relatório da National Intelligence Estimate, do serviço de informação National Intelligence norte-americano, relatório esse apoiado em numerosas análises e investigações confidenciais, a República Islâmica do Irão reitera os argumentos anteriormente defendidos, no âmbito das Nações Unidas.

Ademais, a República Islâmica do Irão segue as prerrogativas consagradas na Carta das Nações Unidas, nomeadamente os seus Artigo 2º nº1 e nº2, Artigo 56º, e em maior estima pelo Preâmbulo, e reclama assim o seu direito à soberania política sobre o seu território perante ameaças, reais ou potenciais; o seu direito ao desenvolvimento autónomo e particular; atendendo a preceitos fundacionais das Nações Unidas; e à sua iniciativa em subscrever tratados internacionais de âmbito cooperativo e de estabilidade, nomeadamente o Tratado de Não-Proliferação.

Para concluir, é desejo da Republica Islâmica do Irão que o espírito de cooperação e harmonia assole a todos aqui presentes para que juntos possamos escrever mais uma histórica página na já longa vida desta Organização.

Posição da República Islâmica do Irão acerca do seu Programa Nuclear

Comité: Conselho de Segurança
Tópico: Irão e a Questão Nuclear
País: Republica Islâmica do Irão
Faculdade: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas

I. Posição Oficial

A Republica Islâmica do Irão enquanto signatária do Tratado de Não Proliferação tem o direito inalienável de desenvolver tecnologia nuclear, nomeadamente enriquecimento de urânio para fins pacíficos.
Embora sejamos um dos maiores produtores e exportadores de crude e gás natural, estes recursos são nos mais úteis como meio de obtenção de capital estrangeiro do que de base energética.


Sublinho ainda que é necessário reconhecer que o desenvolvimento de recursos de energia alternativa, constitui uma parte importante dos interesses nacionais iranianos, dai que não possamos continuar a admitir ingerências externavas. Tendo em conta a nossa necessidade legítima e afecta ao povo iraniano do desenvolvimento de energia nuclear, declaro que o Irão não se moverá nem um instante do seu programa nuclear civil.
Tendo presente o recente relatório da Nacional Intelligence Estimate (organismo que coordena as 16 agências de espionagem norte-americana) que garante que o Irão parou com o seu programa de armas nucleares no Outono de 2003, e o último relatório da Agência Internacional de Energia Atómica que data do passado mês de Setembro onde está saúda o Irão pelo compromisso em responder a questões feitas por esta agencia sobre o seu programa nuclear, a Republica Islâmica do Irão deseja, apesar da constante insistência de que continuamos a representar uma ameaça á segurança mundial, o diálogo com as potências mundiais aqui presentes neste Comité caso estas o façam com um espírito de amizade e cooperação semelhante ao do povo iraniano.


Procuramos com as negociações a decorrer nos próximos dias que as sanções e restrições previstas nas Resoluções nº1696 (2006), nº 1737 (2006) e nº1747 (2007) sejam revistas e retiradas ao Irão de forma a que a nossa imagem seja reconstruída após esta crise internacional que muito nos afectou, quer em termos económicos quer sócio-culturais.
Lembrando o quão internacional se tornou a questão nuclear iraniana e reafirmando uma vez mais a intenção meramente civil do nosso programa e não, como tem vindo a ser argumentado, o desenvolvimento de armamento nuclear, realço que não tem qualquer sentido o fabrico de mais bombas nucleares além das que o mundo já possui e mesmo essas deveriam ser desactivadas para que possamos viver em segurança.


Dada a importância que tem vindo a ser dada relativamente a esta matéria, é desejo iraniano que toda ela seja não só encarada como uma questão técnica, mas sobretudo como uma matéria bem mais profunda que abarque as questões sócio-culturais, históricas e económicas.

28 novembro, 2007

Qual o Futuro do Irão na Região?

É com muito agrado que nos encontramos na situação de poder contribuir para a finalização deste primeiro ensaio de co-autoria subordinado ao tema da "Ascensão do Irão no Médio Oriente", que contou com um total de cinco artigos que reflectiam sobre diferentes dimensões da problemática que envolve a conturbada afirmação do governo de Ahmadinejad enquanto potência regional com ambições nucleares, com uma influência considerável na petroeconomia, e em todo o mundo árabe.

Contudo, os artigos já publicados analisavam apenas factos já consumados, tentando imprimir uma narrativa coerente e, tanto quanto possível, analítica, que melhor nos fizesse compreender quais as reais razões da sua ascensão, suas consequências no equilíbrio de poderes regional e internacional, e ainda problemáticas paralelas que tornam esta temática um assunto tão debatido nos dias que correm. Faltava, para conclusão, uma análise prospectiva que avançasse com cenários possíveis com desfecho, ou não, da actual crise. Não obstante o nosso interesse na matéria, deparámo-nos com um artigo escrito por Alexandre Reis Rodrigues, no seu Jornal de Defesa e Relações Internacionais, que com grande amabilidade e prontidão acedeu a autorizar uma transcrição parcial do seu trabalho que, intitulado "O Triângulo EUA/ Rússia/ Irão", se debruça sobre o mesmo objectivo prospectivo que nos propúnhamos realizar.

Desta forma, aqui fica uma parcela do referido artigo, para o qual gostaríamos ainda de direccionar a atenção cuidada do leitor para a sua relevância para as relações internacionais, assim como recomendamos ainda a regular leitura dos conteúdos publicados no Jornal de Defesa e Relações Internacionais, um sítio incontornável para entusiastas destas matérias.

"Não se julga que o novo quadro político se tenha gerado no Iraque, por vontade própria das facções em confronto, esgotadas por uma luta fratricida, sem desfecho à vista; a origem da mudança está no exterior, em alterações, talvez ainda pouco perceptíveis mas nem por isso menos reais, no relacionamento dos EUA com o Irão e na agenda política da Rússia com ambos.
É verdade que o tom extremamente belicoso, quer da parte da Bush (possibilidade de uma III Guerra Mundial se o Irão tiver armas nucleares), quer da parte de Ahmadinejad (irreversibilidade do programa nuclear) continua a ocupar os cabeçalhos da imprensa mas, não obstante isso, há também sinais de que uma complexa e subtil ofensiva diplomática, em curso há algum tempo, pode estar a dar os primeiros frutos. A recente visita de Putin a Teerão, no âmbito da Cimeira do Mar Cáspio, veio, acelerar esse processo. Vejamos como.

Para a Rússia, um Irão com armas nucleares, é tanto ou mais difícil de aceitar do que pelos EUA. Não é o receio de um ataque que preocupa os russos; é a ascensão do Irão como potência regional numa área de interesse directo para a Rússia, originando, provavelmente uma corrida aos armamentos por parte dos países do Golfo e uma maior interferência americana na zona para a protecção dos seus aliados tradicionais (Arábia Saudita, Kuwait, etc.). Calcula-se que Putin, nas conversações que manteve com Khamenei, pediu contenção nas questões nucleares, oferecendo em troca a solidariedade da Rússia e a oposição a um ataque americano.
Os detalhes desta proposta terão sido discutidos, duas semanas mais tarde, no final de Outubro, na visita que Lavrov fez a Teerão. Nada consta em termos oficiais sobre o que possa ter ficado acordado; no entanto, certamente ligado com este assunto, foi posteriormente anunciado que a Rússia estava a preparar, sob a supervisão da IAEA, o primeiro fornecimento de urânio para permitir a entrada em funcionamento da central nuclear de Bushehr. É um sinal de boa vontade da Rússia depois de ter suspendido a colaboração que estava a dar para conclusão da central, sob alegação de pagamentos em atraso. O sinal, em qualquer caso, é mais político do que prático: sabe-se que a central só entrará em funcionamento seis meses depois da recepção do urânio e ainda não foi anunciada qualquer data para a sua entrega. Por outras palavras, a Rússia continua a não querer largar de mão a chave para a entrada de funcionamento da central, presumivelmente à espera que o Irão confirme primeiro que abandona a pretensão de ter armas nucleares.

Teerão não poupou esforços a chamar a atenção de todo o mundo para as promessas de solidariedade russa mas a proposta de Putin, na prática, provocou uma intensificação do debate sobre o rumo a dar à política externa, pondo em dúvida a consistência do caminho que o Presidente Ahmadinejad protagoniza, em nome da ala radical: que é a altura de correr riscos, para aproveitar as circunstâncias especialmente favoráveis do momento (EUA enfraquecidos, Iraque com um governo amigo, inesperado maior rendimento do petróleo e gás, etc.).
O debate entre as elites iranianas vai continuar por mais algum tempo; a questão central é a de decidir o que é melhor para o Irão: se possuir armas nucleares em detrimento de uma parceria com a Rússia (a posição dos radicais) ou seguir um caminho com menos riscos - entendimento com a Rússia e postura mais racional em relação aos EUA - mas, eventualmente, menos conducente à obtenção do estatuto de potência regional (a posição de Rafsanjani, Al Larijani que se demitiu recentemente das elevadas funções que tinha na estrutura do Estado, etc.). Khamenei, que tomará a decisão final, ainda hesita; provavelmente, vai esperar pelas eleições presidenciais de Março, no próximo ano, e decidir depois, em função da correlação de forças entre radicais e reformadores que o acto eleitoral revelar.

O que ninguém tem dúvidas, em Teerão, é sobre a necessidade de «segurar» o Iraque, isto é, garantir que um governo sunita com exclusão de todos os xiitas, como o que governou o país durante o tempo de Saddam, é hipótese que não se repetirá. O risco, aos olhos do Irão, pode ter existido durante algum tempo, quando os EUA começaram a apoiar-se nos sunitas, inclusivamente armando as suas milícias, perante a incapacidade do governo xiita controlar minimamente a situação."

18 novembro, 2007

Para um Entendimento sobre a Ascensão do Irão

Autores: Joana Gonçalves Junqueira & Tiago Alexandre Maurício
Tema
: Para um Entendimento sobre a Ascensão do Irão

Contactos
:
joana_junqueira@hotmail.com / tiago.int@hotmail.com


O conjunto de desenvolvimentos aos quais temos vindo a observar no Médio Oriente suscitou o nosso interesse no que concerne o papel que o Irão desempenha e a preponderância que este almeja adquirir na região. Este país, sob a liderança de Mahmoud Ahmadinejad, tem constituído um importante factor de desestabilização na actual conjuntura de poderes, e um constante empecilho à prossecução dos interesses nacionais das grandes potências, as quais ressalvamos os EUA e a Rússia, nesta zona tão volátil.

A seguinte publicação de vários artigos subordinados ao tema “A Ascensão do Irão no Médio Oriente” tem por objectivo contribuir para um correcto ou, tanto quanto possível, relevante entendimento sobre as problemáticas que esta ascensão suscitou, suscita e poderá vir a suscitar num futuro próximo. Através de diferentes abordagens, pretendemos explicitar algumas importantes questões frequentemente abordadas na literatura da especialidade, e aprofundar sobre noções que, por vezes, passam despercebidas sob as lentes dos media.

Com efeito, os artigos “Os Apoiantes da Nuclearização do Irão” e “Os Opositores da Nuclearização do Irão” reflectirão sobre as contemporâneas tensões que se agrupam respeitantes ao programa nuclear desenvolvido nas diversas centrais energéticas iranianas, e sua pretensão em completá-lo para fins pacíficos. Outros, no entanto, acusam o governo de Teerão de pretender utilizar este programa para fins militares, o que espoletaria uma escalada conflitual não só regional como globalmente. Nesta problemática em particular, alinhamentos começam a desenvolver-se com potências exteriores ao Médio Oriente, nomeadamente a Rússia e a China, que manifestam um tímido apoio ao programa nuclear, enquanto que outros, liderados pelos EUA, constituem o bloco opositor.

De seguida, aferimos sobre as influências que a grande potência mundial – os Estados Unidos -, desenvolvem na região. “A Influência dos EUA no Médio Oriente” aborda temas como a invasão do Iraque e subsequente derrube do regime de Saddam e sucessivas estratégias pró-democráticas falhadas, da forma como estes encaram a influência da Rússia e China, etc.

Mais tarde, em “O Mercado Internacional do Petróleo”, analisamos as estratégias individuais do Irão enquanto mecanismos de obtenção de poder na comunidade internacional, quer por perturbação especulativa dos níveis de produção, quer pela posição que este país ocupa enquanto membro fundamental da OPEP, possuindo importantes quantias das reservas mundiais de petróleo.

Para finalizar, n’”O Papel do Irão na Região” a temática dos diferendos internos entre as famílias do Islão – os sunitas e os xiitas -, é relacionada com os elevados índices de violência em toda a região, e como os vários grupos terroristas activos delimitam os seus alvos, quais os métodos de financiamento, e demais dimensões do problema do terrorismo.


Artigos:
Os Apoiantes da Nuclearização do Irão
Os Opositores da Nuclearização do Irão
A Influência dos Estados Unidos no Médio Oriente
O Mercado Internacional do Petróleo
O Papel do Irão na Região

Os Apoiantes da Nuclearização do Irão

O Irão, de forma a instalar e desenvolver o seu programa nuclear beneficiou e continua a beneficiar do apoio tecnológico e diplomático de países como o Paquistão, a Coreia do Norte, a China e a Rússia.

O Paquistão é encarado como o principal responsável pela criação de um mercado negro de proliferação nuclear. De forma encoberta o Paquistão vendou tecnologia e equipamentos para os programas nucleares não só do Irão mas também da Coreia do Norte e Líbia. Um escândalo vindo a público em 2004 mostrou o rosto do principal responsável por este negócio sujo, Abdul Qadeer Khan, um famoso cientista paquistanês, o pai da “bomba islâmica”. De nada lhe vale o seu pedido de desculpas, uma vez que a sua acção em muito tem contribuído para a crescente instabilidade e receio do mundo ocidental.

Relativamente á aliança sino-iraniana, desde o tempo do Xá que a China encara o Irão como um aliado. Na altura, em pleno clima de Guerra-fria, China e União Soviética, os dois gigantes do comunismo, encaravam o território iraniano como uma mais valia estratégico-energética. Ambos os países encontravam-se extremamente interessados no petróleo existente no Irão, de forma a aumentarem a sua capacidade económico-militar. Ao mesmo tempo que, já na altura, tentavam que este país não caísse na esfera americana.

Aquando da Guerra Irão-Iraque, 1980~1988, Pequim sempre esteve ao lado dos iranianos vendendo-lhes avultadas quantias de armas, como garantia da venda de petróleo.

Quanto ao apoio nuclear, o primeiro acordo data de 1985 abrangendo o fornecimento de material e a formação de cientistas. Nos anos seguintes, tendo sofrido fortes pressões norte-americanas, Pequim abrandou a sua ajuda.

O petróleo constitui o principal interesse chinês relativamente ao Irão, uma vez que estes pais é o segundo maior produtor dos países que constituem a OPEP. Em 2004, os dois países assinaram um acordo prevendo a compra ao Irão de 70 mil milhões de dólares de petróleo. O contínuo e abrupto crescimento económico chinês fazem naturalmente aumentar as suas necessidades de petróleo e 2/3 das importações provêm de países do Médio Oriente, logo, esta região é de extrema importância para o crescimento chinês.

Este petróleo provém de Ormuz até Xangai atravessando um território de 1200km controlados pela marinha americana. Pequim tem encetado esforços para acabar com este controlo aliando-se com os Estados petrolíferos anti-americanos, sendo o Irão um deles.

Além deste interesse energético de grande relevância para o crescimento chinês, o Irão constitui-se de igual forma importante para a estabilidade política da província ocidental chinesa de Xinjiang. Esta província é estrategicamente importante, uma vez que possui 30% das reservas chinesas de crude, e cerca de uma dezena de biliões de m3 de gás natural. Neste caso, o Irão é de extrema importância dada a sua influência moderadora perante os muçulmanos separatistas desta região, assegurando o relativo apaziguamento das hostes radicais.

Por forma a proteger todo este pacote de interesses, a China vai fazendo o possível para impedir a intervenção do Conselho de Segurança da ONU sobre o programa nuclear iraniano, que a China ajudou e continua a ajudar a desenvolver, através dos avultados gastos na compra de petróleo iraniano.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas vem tentando aplicar sanções económicas e mesmo uma possível intervenção militar contra o Irão, nomeadamente americanos, ingleses e franceses. No entanto, China e Rússia têm-se mostrado pouco ou nada interessados relativamente a estas intenções (sabe-se lá porquê).

Um outro parceiro iraniano é a Rússia que parece renascida das cinzas após o colapso soviético.

Desligando-se das constantes pressões norte-americanas, assinou em Fevereiro de 2005 um acordo com o Irão para o fornecimento de 100 toneladas de combustível nuclear para a central de Bushehr, cujo primeiro reactor deveria ter entrado em serviço no final de 2006. No entanto, constantes entraves têm atrasado o seu funcionamento. Este acordo vem no seguimento de um anterior, assinado em 1995 para repor em funcionamento a já citada central nuclear.
Vladimir Putin ofereceu os serviços da Rússia para realizar a continuação do programa nuclear iraniano. Estes serviços traduzem-se em tecnologia e mão-de-obra científica.

Há ainda a salientar o contrato de 700 milhões de dólares relativamente á venda ao Irão de 49 mísseis terra-ar, supostamente destinados á defesa das centrais nucleares.

Este esforço iraniano de defesa pela indústria militar russa preocupa os EUA, uma vez que esta aliança não lhes facilita um possível ataque ao Irão. Apesar deste ser signatário do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, que prevê a possibilidade de desenvolvimento de energia nuclear para fins pacífico, o Ocidente, na pessoa dos EUA, receia que o programa nuclear iraniano tenha como objectivo o desenvolvimento de armamento nuclear o que destabilizaria ainda mais aquela região tão importante para o Ocidente, uma vez que nela se encontra o combustível para o desenvolvimento económico-militar do resto do globo.

À semelhança da China, também a Rússia dá o seu melhor para contrariar uma intervenção do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Estes três países, Rússia, China e Irão apesar de possuírem interesses diferentes, económico-energéticos e militares aliam forças para juntos afastarem os EUA da região do Médio Oriente e Ásia Central, abrindo assim espaço para que estes três países possam ascender á condição de potências regionais.

Escrito por: Joana Junqueira & Tiago Maurício

Os Opositores da Nuclearização do Irão

É impossível pensarmos a dinâmica internacional contraditória relativamente à nuclearização do Irão sem, após enunciados e caracterizados os argumentos dos seus apoiantes, entendermos quais as lógicas justificativas daqueles que defendem a sua não nuclearização. Para tal, necessitamos de acrescentar um conjunto de informações relevantes às especificidades do território iraniano, assim como de toda a região que o circunda, por forma a possível existência de uma efectiva legitimidade nas acusações feitas maioritariamente pelos Estados Unidos da América, Grã-Bretanha, Alemanha, e de outros países ditos ocidentais. Estas informações serão aprofundadas no capítulo relativo ao Mercado Internacional do Petróleo e o Irão.

O Irão é o segundo país nos índices de produção de barris de petróleo relativos aos Estados membros da Organização de Países Exportadores de Petróleo, a aclamada OPEP. Esta organização internacional, que muitos consideram ser um cartel monopolista e influenciador da produção e subsequente alteração dos preços mundiais de petróleo e seus derivados, e muito acertadamente acrescentaríamos, é detentora de cerca de 70% de todas as reservas actuais de petróleo calculadas ou expectáveis, e controla cerca de 90% das exportações do ouro negro. Encontrando-se estas reservas sob a autoridade de um conglomerado de países, o seu peso na economia mundial é avassalador, especialmente quando não encontramos nenhuma outra organização responsável pelo contrapeso à influência desta. Perante um mercado polarizado relativo ao petróleo não-OPEP, as condições estão criadas para o exercício de uma produção descentralizada dos grandes focos consumistas do mundo, extendendo a dependência de todo o mundo industrializado e semi-industrializado a um conjunto de treze Estados membros, não só situados no Médio Oriente, mas incluindo países como a Venezuela, Gabão e Líbia. Como referíamos, o Irão detém as segundas maiores reservas nacionais absolutas dentro do grupo OPEP, daí a sua importância na região. Com 40% das reservas mundiais de petróleo, o seu peso nas relações internacionais é inegável.

No entanto, é ainda esta sua potencialidade que mais argumentos providencia ao grupo de países que se obstinam à sua nuclearização, facilmente reunindo apoiantes em diversos países nos vários continentes. Dada a retórica utilizada pelo regime do Presidente Mahmoud Ahmadinejad, sustentada na prossecução de investigação e desenvolvimento da tecnologia destinada à exploração de energia nuclear para fins pacíficos e puramente energéticos, os seus poços petrolíferos de alta rentabilidade levam-nos a concluir que o desenvolvimento de tal tecnologia seria um mero complemento, caso demonstrasse alguma utilidade sequer, para um consumo energético doméstico em ascensão. No entanto, o crescimento económico do Irão não apresenta evoluções de maior nem é, por si só, argumento suficiente para inspirar um programa energético de médio-longo prazo como aquele inerente ao aproveitamento da energia nuclear. Aqui reside o primeiro contra-argumento que demoveria o Irão a continuar a sua pesquisa nuclear nas diversas instalações que possui para o efeito. Não é, contudo, o único.

As tensões internacionais estão envoltas em precedentes históricos que remontam à Guerra Fria e ao surgimento de arsenal nuclear para fins militares. Desde a sua primeira utilização em Hiroshima e Nagasáki pelos EUA, após ensaios concluídos com sucesso em Los Álamos com duas bombas atómicas protótipo, na sequência de um projecto designado de The Manhattan Project, e posterior desenvolvimento e obtenção na rival URSS, a produção mundial de armamento nuclear aumentou exponencialmente e para níveis que, a serem utilizados, calcula-se capazes de destruir um espaço dezasseis vezes superior ao da Terra. O seu potencial destrutivo é ímpar em toda a História, assim como o é a sua aparente proliferação quantitativa, assunto o qual continua a constar no topo das agendas políticas internacionais das grandes potências mundiais. O actual sistema internacional é tributário deste equilíbrio instável assente na doutrina MAD (Mutual Assured Destruction) ou de Deterrence, que preconizava a mútua destruição num cenário de duas partes beligerantes recorrem a este tipo de armamento. Entretanto, assistimos a uma proliferação que acaba na existência de onze países com acesso ao “botão vermelho” do desastre. Os EUA, junto das potências aliadas, detêm a arma, sendo elas a Grã-Bretanha, França, Israel, Paquistão, a Índia e, até certa altura, a África do Sul. Do outro lado da Cortina de Ferro, a URSS e países da esfera de influência comunista como a China (com as devidas salvaguardas político-ideológicas existentes na época), Ucrânia, Bielo-Rússia, Coreia do Norte e Egipto. Devemos acrescentar que tanto a África do Sul como a Ucrânia, Bielo-Rússia e Egipto seguiram programas de desnuclearização, abandonando o estatuto de potências nucleares aquando o fim da Guerra Fria em 1991, com a fragmentação do Pacto de Varsóvia.

A tendência histórica é, como acabamos de observar, de reduzir o número de países com acesso a arsenal nuclear por forma a possibilitar a estabilização das tensões internacionais dentro de parâmetros mais ou menos definidos, ou até incluídos em esferas de influência de um ou outro bloco beligerantes ou antagónicos. No caso do Irão, a sua instabilidade interna e regional é de tal forma premente que o desenvolvimento ou aquisição de tecnologia nuclear representaria um factor de desestabilização tão forte que implicaria, ou implicará, o derrube do tradicional equilíbrio de poderes e de esferas de influência no Médio Oriente, assim volatilizando todos os esforços internacionais de apaziguamento dos conflitos religiosos e étnicos aí existentes, enquanto que a ruptura com o anterior equilíbrio resultaria inexoravelmente no descalabro da estabilidade de produção energética da região, a qual é o próprio fundamento vital no qual assenta toda a economia mundial. Dada a influência que o Irão já detém na região, qualquer falha na contenção do seu poder para limites que fogem ao controlo de qualquer potência directora que não o próprio Irão seria um evento potencialmente ameaçador à paz na região, e à definição do equilíbrio de potências mundial.

Com a bomba nuclear, as potências externas à região seriam incapazes de impedir qualquer pretensão expansionista em direcção aos Estados vizinhos do Irão, o que levaria a um acrescento de violência e instabilidade em todos os sectores do Médio Oriente. A presença de duas potências nucleares a Leste, o Paquistão e a Índia, poderia ser um factor que demoveria o Irão de expandir-se nessa direcção, e o mesmo poderíamos dizer em relação a Norte, dada a influência que a Rússia ainda possui sobre as suas antigas repúblicas. No entanto, o mesmo não poderíamos afirmar em relação aos vizinhos ocidentais, nomeadamente o Iraque, Kuweit, Jordânia, e Arábia Saudita, exercendo posteriormente a sua influência já existente sobre a Síria e Líbano. A questão mais crucial punha-se: como conciliar a existência de duas potências inimigas no Médio Oriente, ambas com armas nucleares, como seria o caso do Irão e de Israel? Isto leva-nos ao terceiro argumento.

É conhecido que o famoso lobby judeu exerce pesadas influências sobre as democracias ocidentais, levando a que importantes somas de dinheiro sejam direccionadas rumo ao Estado de Israel para que este consiga prosperar numa região anteriormente inóspita, e onde a inimizade dos Estados vizinhos é sufocante. Além do mais, o ódio gerado aquando da criação do Estado judaico em 1948, onde anteriormente se encontravam sedeados os palestinianos, foi e continua a ser motivo de guerras santas e actividades terroristas, sobretudo bombistas, em alvos israelitas e, ocasionalmente, ocidentais. Este ódio é tão generalizado que leva sunnitas e xiitas a concordarem na injustiça por aqueles cometida, e na santidade de encetarem jihad contra o inimigo comum – Israel. Pior, as facções ditas moderadas nas várias repúblicas islâmicas do Médio Oriente são incapazes de exercer um tal pressão de apaziguamento e promotora de diálogo entre as partes que Israel não encontra qualquer tipo de apoio partidário nos regimes que lhe fazem fronteira directa e indirecta. O Irão, como tantas vezes anunciado em discursos públicos, encarrega-se de reunir em si os esforços mais extremistas que têm por objectivo a completa erradicação de Israel do mapa, consumando-se como política de Estado a desenvolver num futuro próximo.

Embora sejamos capazes de prospectar quais as reais possibilidades de um Irão nuclear levar até às últimas consequências este tipo de política externa, e até que ponto não será essa retórica uma forma de reunir um apoio interno suficiente à prossecução das suas pretensões regionais, conciliando quer sunnitas quer xiitas, não somos certamente capazes de prever o futuro. Contudo, em matéria de relações internacionais tamanhas possibilidades, especialmente perigosas senão catastróficas, são raramente desconsideradas na forma como as grandes potências envolvidas na região desenvolvem a sua política externa. Perante esta ameaça, as hostes avolumam-se em torno da necessidade de impedir a todo o custo a completação com sucesso do programa nuclear iraniano. À medida que o tempo passa, assim diminui a janela existente para eliminar definitivamente o problema, e consequentemente mais tensas se tornam as relações entre as várias partes. Numa matéria como esta, as influências estão de tal forma activas e complexificadas que se torna muito fácil cometer um erro e, logo de seguida, arrastar-se uma escalada de tensões até desembocar num conflito.

A quarta e última justificação que os opositores da nuclearização do Irão defendem relaciona-se com a sua política interna, isto é, com a influência que a classe religiosa tem sobre a classe política, e quais as consequências que daqui poderão advir, não só para o restante mundo muçulmano, como para a própria região. Com o derrube do Xá Mohammed Rezza Pahlavi em 1979 e subsequente criação da República Islâmica do Irão, encabeçada pelo Ayatollah Khomeini, a promiscuidade entre as facções religiosa e política do regime tem muitas vezes resultado numa fusão dos dois. No entanto, esta temática será abordada com maior pormenor numa secção posterior, ficando por aqui explicado o cenário geral que abrange os opositores da nuclearização do Irão.
Escrito por: Joana Junqueira & Tiago Maurício

A Influência dos Estados Unidos no Médio Oriente

Os sucessivos governos norte-americanos sempre tiveram e continuam a ter a esperança de dominar a região do Médio Oriente. No entanto, esse domínio tem vindo a ser desafiado pelas políticas externas de outros actores como a Rússia e a China.
Estes dois países encaram esta região como uma mais vaia para o seu crescimento tanto económico como armamentista. Ambos se têm esforçado através de sucessivos acordos económicos por trazer esta região para as suas esferas de influência devido ao seu enorme potencial energético (gás e crude) e proximidade geográfica.


Com a invasão do Iraque em 2003 e a consequente deposição de Saddam Hussein, os EUA despertaram a rivalidade entre xiitas e sunitas que Saddam vinha conseguindo controlar. Este despertar não ocorreu apenas no Iraque mas em todo o Médio Oriente, e o já considerável sentimento anti-americano ficou ainda mais forte. A ideia de fazer do Iraque um país democrático gerou nesta região um sentimento de que democracia é sinónimo de colapso da ordem política.

O Iraque, tradicionalmente um centro de poder no mundo árabe, tornou-se com a invasão norte-americana um país cada vez mais violento e dividido. Um excelente exemplo de um estado falhado.

Esta é sem dúvida uma região de contrastes e de extrema importância para as grandes potências, uma vez que as principais reservas de petróleo se encontram por lá.

O cenário é cada vez mais hostil para com os EUA.
O Irão insiste no desenvolvimento do seu programa nuclear e será dentro de pouco tempo um dos mais poderosos países do Médio Oriente, ao mesmo tempo que tem uma influência cada vez maior sobre a maioria xiita, cerca de 60%, no Iraque. Este país apoia ainda vários grupos terroristas que insistem em expulsar os americanos da região.

Israel é a maior potência militar e é vista pelos restantes países da região como um inimigo dada a sua enorme ligação com EUA, e a sua prepotência para com o povo palestiniano.

O petróleo é cada vez mais utilizado como uma arma contra o Ocidente. Os países produtores de petróleo do Médio Oriente, desprovidos de capacidade política e militar para fazer frente ao ocidente, utilizam o único recurso de que dispõem, o crude, fazendo oscilar cada vez mais e de forma crescente o seu preço. Só desta forma conseguem alguma da sua tão desejada visibilidade internacional.

Um outro problema que os EUA enfrentam é a crescente vontade que Ahmadinejad, presidente iraniano, nutre em negociar a venda do petróleo iraniano em euros e não em dólares. Desta forma enfraqueceria o dólar americano, ao mesmo tempo que arrastaria outros países da OPEP, como a Venezuela, a seguirem o seu exemplo, desestabilizando desta forma a economia americana e todo o mercado económico mundial.
A vida para os norte-americanos não se encontra nada fácil. O crescente sentimento anti-americano, a existência de mais um país na região com armamento nuclear (além do Paquistão e Israel), o fracasso no Iraque, dificuldades no processo de Paz entre Israel e a Palestina, proliferação de ataques terroristas, etc. Tudo isso contribui para o crescente clima de instabilidade e violência na região. Além disto, há que relembrar o papel da China e da Rússia, nesta região.

China e Rússia encetam cada vez mais esforços no sentido de afastar os EUA desta região, uma vez que esta é, tendo em conta a proximidade geográfica, uma zona de influência sino-russa e não americana.

Visto que está comprometido o fracasso do uso da força nesta região, a diplomacia apresenta-se então como a melhor via na estabilização do Médio Oriente. No entanto, o caminho a percorrer é penoso e longo, e talvez um pouco tardio.

Escrito por: Joana Junqueira & Tiago Maurício

O Mercado Internacional do Petróleo

A importância que o mercado internacional de petróleo tem na forma como os Estados delimitam as suas políticas externas, especialmente aqueles considerados grandes potências ou em vias de o serem, é inegável. E para além do factor nuclear, o Irão tem conseguido tirar proveito da posição privilegiado que ocupa nesse mercado, e enquanto o segundo país com as maiores reservas comprovadas de petróleo na Organização de Países Exportadores de Petróleo, ou OPEP.

A OPEP, um cartel de países que procuram adquirir uma alavanca negocial monopolista na produção e especulação de produção de barris de petróleo que sustentam a economia mundial quer dos países desenvolvidos, quer dos em vias de desenvolvimento, detém cerca de 2/3 de todas as reservas de petróleo encontradas ou com altas probabilidades de serem encontradas no globo. Sendo certo que existem, no total, cerca de seiscentos sistemas de petróleo, 1/3 situam-se em zonas de difícil acesso como águas profundas ou sob densas camadas de gelo, ou permafrosts. Com efeito, os países da OPEP controlam trezentos dos quatrocentos sistemas mundiais, o que considerando a natureza do mercado internacional, lhes atribui uma importância ímpar. No entanto, antes de avançarmos existem algumas precisões que necessitam explicação.

Desde a descoberta e produção em massa de petróleo para fins comerciais e industriais, nos finais do século XIX, este combustível fóssil tem sustentado todas as grandes evoluções, crescimentos e recessões da economia mundial por mais de um século. No entanto, o cenário anterior à criação da OPEP, em 1961, era relativamente favorável àqueles que mais necessitados estavam da sua produção – os países desenvolvidos. Através das suas empresas multinacionais, que criaram verdadeiros impérios como os de Rockefeller e Rotschild, estes países desenvolvidos realizavam as suas explorações em territórios colonizados ou, em variadas formas, submissos a este enorme investimento estrangeiro que logo criou fortunas imensas às chefias locais que, pactuando com estas empresas, lhes garantiam permissões de exploração. Durante décadas, este foi o modelo vigente do sistema mundial de petróleo. Mas em 1961, tudo mudaria.

A criação da OPEP surge após a constatação da necessidade premente dos Estados produtores de petróleo, especialmente aqueles situados no Médio Oriente, se reunirem à volta da mesma mesa e discutirem formas de elevarem o poder efectivo que as suas reservas de petróleo representam, e influenciar os índices de produção e de especulação em seu favor. Nesta óptica, trataram de nacionalizar inúmeras empresas, das quais a Anglo-Iranian Oil Company é um exemplo icónico, retirando a essas empresas privadas as suas permissões de exploração e acesso aos campos petrolíferos. Agora, mais do nunca, o petróleo e as questões a si envolventes eram problemáticas de Estado, relacionadas com a sua segurança interna e internacional, pelas quais se faziam guerras, promoviam golpes de Estado, criavam e destruíam-se alianças, e recorria-se a métodos que visavam única e exclusivamente a aquisição de acessos privilegiados aos mercados internos dos países da OPEP. Assim aconteceu entre o Reino da Arábia Saudita e os Estados Unidos da América, a manutenção de um sistema tanto quanto possível multipolar na região do Médio Oriente. Não era apenas a multiplicidade de centros de produção que retira poder negocial à OPEP, como os países desenvolvidos obtinham mais e melhores alternativas aos seus usuais abastecedores, que face a um mercado altamente competitivo, mesmo que multimilionário, eram forçados a negociar entre si uma redução do seu preço por forma a susterem os crescentes aumentos nos níveis de procura mundial de petróleo.

Não obstante, o Irão tem conseguido transformar essa sua riqueza mineral em poder, e assim adquirir um papel cada vez mais relevante na região, independentemente das repetidas sublevações que ocorreram no país na última metade do século XX. Com efeito, desde a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company em 1951, que os vários governos têm utilizado a Petropolitics em seu favor. Entretanto ocorreram as revoluções de 1953 e 1979, sem que o fluxo de produção de barris de petróleo fosse significativamente alterado. Aliás, a Revolução Islâmica de 79 pautou o virar numa longa descida na produção que se prolongou por toda a década de 1970, assim demonstrando a importância que o mercado internacional do petróleo recolhe dos assuntos políticos iranianos. Enquanto segundo país com as maiores reservas e maiores níveis de produção, não admira que a especulação dos mercados financeiros jogue em boa medida com a estabilidade interna do país, e deste na região.

De certa forma, a manutenção dos baixos preços de petróleo nos mercados mundiais depende de dois factores interligados: os níveis de produção dos países OPEP, e relativa estabilidade multipolar da região do Médio Oriente. Ora com a ascensão de Ahmadinejad, sucessor de Khatami, a gradual hostilização dos relacionamentos internacionais com quaisquer potências externas à região tem resultado, entre outras razões, na subida geral do preço médio do barril de petróleo, enquanto nos países circundantes o clima ameaça algumas rupturas.

Tudo isto influi no ganho de poder pelo petróleo iraniano, pois é o segundo gigante que se encontra capaz de assegurar eventuais aumentos na procura mundial, e assim suprir as necessidades de petróleo pelo aumento da sua produção interna. Em troca, o país vê reconhecido o papel estabilizador na região, e a sua autoridade primariamente económica mas que abrange outras esferas por inerência. É à custa desta Petropolitics que o Irão tem vindo a desenvolver o seu programa nuclear, que se pretende completo em breve; a rearmar as suas forças armadas com armamento tecnologicamente mais avançado e destrutivo, como o mostraram as imagens obtidas durante o exercício militar a nível nacional realizado no Verão de 2006; e a contrariar de forma aberta e propagandística a sua oposição ao “império neocolonialista de capitalistas” que são os EUA e seus aliados.

Como consequência imediata, junta-se um aliado de peso aos opositores declarados da política externa dos países ocidentais, obviamente encabeçados pelos EUA, que assim vê os seus interesses na região geopolítica mais importante de todo o sistema mundial ameaçados, ao mesmo tempo que outros Estados que estes consideram de “falhados”, alegadamente não inseridos nos mercados mundiais globalizados, mas que demonstram tendências e interesses paralelos, extendendo assim a esfera conflitual para outras regiões, e outras problemáticas.

Contudo, a política externa do Irão não se resume apenas ao petróleo. As suas pretensões regionais levam-lhe ainda a exercer uma influência acentuada noutro campo da intricada malha de variáveis que tornam o Médio Oriente o centro político do mundo. Neste jogam-se alinhamentos de Estados árabes, de elites religiosas que governam repúblicas teocráticas, que incitam movimentos fundamentalistas e protegem e treinam terroristas para as suas missões opositoras ao Ocidente. É sobre esta temática que falaremos de seguida.

17 novembro, 2007

O Papel do Irão na Região

A política de Estado iraniana está oficialmente subordinada á teologia do Islão, que significa “o acto de se submeter a Deus”-
A Pérsia, antepassada do Irão foi conquistada pelo Islão em 642 d.C, sendo o xiismo, uma das duas grandes famílias do Islão, a religião oficial da República Islâmica do Irão.



Xiismo e sunismo constituem as duas principais correntes do mundo muçulmano. O sunismo é, de longe, a mais popular, contando com cerca de 90% de crentes.
A diferença entre elas não reside em fundamentos doutrinais do Islão, refere-se antes a circunstâncias históricas relativas á sucessão de Maomé.

Os sunitas aceitam como sucessores do Profeta os Quatro Califas Bem Guiados – Abu Bakr, Omar, Othman e Ali. Já os xiitas não encaram com bons olhos os três primeiros Califas dado que estes, segundo a óptica xiita, acederam ao Califado em detrimento de Ali, primo e genro de Maomé e que por esta mesma condição apresentava-se como o mais digno sucessor. Ali foi assassinado em 661 tal como os seus dois filhos, Hassan e Hussein. A forma como este último morreu, na batalha de Kerbala, no actual Iraque, constituí o clímax da história combatente do xiismo.



De forma sucinta, a batalha de Kerbala, junto ao Rio Eufrates, consistiu num confronto entre Hussein e os seus 72 companheiros, e o exército de milhares de homens de Yazid I. Após resistirem por alguns dias ao exército sunita, Hussein e os seus companheiros acabaram por ser derrotados e mortos. Deste massacre apenas mulheres e crianças escaparam. Esta batalha afigura-se como o melhor exemplo da filosofia combatente dos xiitas, “antes a morte que a rendição”.



Os xiitas duodécimanos prestam culto a Hussein, que consideram o seu 3º Imã (Homem Santo), depois de Ali e Hassan.



O xiismo constituí a religião maioritária no Irão, tal como no Iraque, facto este desde 1501, cerca 60% da população. No entanto, estes são países excepção pois nos restantes Estados árabes, a maioria sunita é detentora do poder político. Esta curiosidade não é irrelevante; antes, constitui um importante factor de desestabilização dentro da comunidade muçulmana de toda a região. Historicamente conflituosas, estas duas famílias espelham as clivagens outrora existentes entre as correntes católicas e protestantes na Europa do século XVI: uns, no poder, são responsáveis pela opressão dos outros, da família oposta. Isto para referir que, em termos genéricos, a minoria xiita não possui posições de governo em situação de preponderância. No Iraque, tal como no Irão, esta lógica não se aplicava, e o Partido Baath de Saddam Hussein exercia uma forte opressão sobre a maioria xiita da população contribuindo assim para uma estabilidade pouco ortodoxa.



Contudo, este equilíbrio foi duramente abalado aquando da invasão norte-americana do Iraque no ano de 2003. Em pouco tempo, o anterior sistema de coesão intra-muçulmana foi subitamente derrubado, facto este que constituiu uma excelente oportunidade para o governo de Teerão de adquirir e exercer uma maior pressão sobre o seu vizinho geográfico. Mais, o “ónus conciliatório” alterou-se para o Irão, que prontamente aproveitou as profundas dissensões existentes entre muçulmanos e ocidentais para hostilizar o cenário político iraquiano, fomentando a pacificação e coesão entre os filhos de Allah, em detrimento das suas dissensões. Exemplo disso foram as eleições legislativas iraquianas de 2005, que levaram ao poder os conservadores religiosos xiitas, acérrimos defensores da implementação da sharia no corpo jurídico do país, e que são a mais visível face e voz dos ideais anti-ocidentais muçulmanos. Neste cenário, o Primeiro-Ministro Nouri Al-Maliki exerce um papel de moderador ingrato entre um povo hostil e uma influência externa poderosa.



Não admira, portanto, que o Irão adquira mais e mais influência na forma como as duas principais famílias muçulmanas encaram a presença externa na região. Lembramos que, até 2003, o governo de Khatami albergava importantes chefias xiitas exiladas provenientes do vizinho ocupado, Iraque, e que essas mesmas seriam mais tarde integradas enquanto parte constituinte do actual governo em funções, apoiado pelos Estados Unidos. Como já foi anteriormente referido, o Irão é o principal responsável pelo actual clima de crescente violência que se vive no Iraque, apoiando logística, militar e doutrinalmente as milícias, sunnitas e xiitas, que semeiam o caos nas zonas de influência norte-americanas. O mesmo podíamos extrapolar para o caso de Israel, que face a diversas frentes de conflito, sofre directa e constantemente de um ódio anti-semita aliado ao profundo desprezo das populações árabes e muçulmanas vizinhas aos ideais ocidentais, e suas manifestações pelos laços privilegiados que Telavive partilha com Washington. A título de exemplo, algumas das organizações terroristas que mais ferozmente se opõem ao Estado de Israel são directamente financiadas pelo Irão, como é o caso do Hamas, Hezbollah, e outras organizações paralelas. Mais, a Síria representa ainda um importante actor na região que, financiada pelo Irão, lhe é subordinada e actua como elo intermediário entre o centro de tomada de decisão em Teerão, e locais de planeamento e actuação das mesmas organizações.



Assim, é de notar o esforço iraniano no sentido de congregar todo o mundo muçulmano para minar a presença ocidental numa região encarada como pertencente à sua esfera de influência. O desenvolvimento de um programa nuclear, alegadamente para fins pacíficos, respeita esta lógica de gradual hostilização e ascensão do Irão a grande potência, pressuposto que, a realizar-se, iria acarretar o surgimento de um novo equilíbrio de potências em todo o Médio Oriente, com consequências dramáticas para o actual status quo.



A título conclusivo, é de salientar ainda os esforços que o Irão tem direccionados a Norte, para a região do Mar Cáspio, onde participa activamente, e com alguma preponderância, na determinação das fronteiras geográficas com os restantes países ribeirinhos (Rússia, Azerbeijão, Cazaquistão e Turquemenistão), onde almeja adquirir 20% do respectivo espaço marítimo, além de todos expressarem a sua vontade na criação de um bloco económico regional, ao estilo OPEP, por forma a determinarem os níveis de produção e estratégias comerciais do petróleo aí explorado. Como anteriormente referido, este é um dos grandes plano de actuação que o Irão adopta na sua demanda pela hegemonia regional, e excusa mais acrescentos.



Tendo em conta a sua clara pretensão a alcançar uma posição de domínio político-militar na região, este tem em conta que esta estratégia apenas será bem sucedida caso este país detinha o domínio energético da região, objectivo para o qual tem focalizado grande parte das suas políticas externas, em clara oposição a influência de potências estrangeiras neste que é considerado, em muitos aspectos, o centro do mundo.
Joana Gonçalves Junqueira & Tiago Alexandre Maurício

16 novembro, 2007

Apresentação tardia

O normal seria criar o blog e ao mesmo tempo explanar os motivos e/ou objectivos do mesmo. Pois, mas não foi o meu caso, e desde já peço as minhas desculpas.
Este blog foi criado a 4 de Novembro após muita insistência de um grande amigo meu, a quem devo esta estreia na blogosfera, e que com o seu blogue Nostrum Tempus suscitou o meu interesse por esta plataforma de comunicação.

Embora inicialmente apreensiva devo confessar que muito provavelmente esta seja a melhor forma de me apaixonar ainda mais pelo objecto de estudo da minha licenciatura (Relações Internacionais) e levar-me a reflectir com maior cuidado sobre o panorama internacional ao mesmo tempo que dou a conhecer esses Breves Escritos Internacionais a terceiros.

Como se tratam de artigos de opinião, que exressam a minha visão pessoal das tematicas abordades agradeço a compreensão e comentários mesmo que divergentes.

04 novembro, 2007

O Conflito Israelo-Palestiniano - Um Futuro Adiado

Obra: Carter, Jimmy; Palestina - Paz, sim. Apartheid, não.; Quidnovi; 2007



É com prazer e sentido de responsabilidade que me estreio nestas andanças do ciber-espaço.

Desde já começo por agradecer o convite feito pelo meu grande amigo Tiago, um expert neste “mundo”, para a participação neste “encontro Apolítico”. No meu entender, trata-se de uma excelente iniciativa que faz frente à inexistência, por parte da faculdade, de incentivo ao nosso sentido crítico.

Agradecimentos e elogios feitos, é agora tempo de partir para o que verdadeiramente interessa. Inauguro a minha participação com um tema que desde há muito, cerca de 60 anos, faz as manchetes dos noticiários, o conflito israelo-palestiniano.


Este é um tema extremamente delicado de analisar ou de prever desenvolvimentos. No entanto, e por estas mesmas razões, não deixa de ser um assunto que me prende a atenção. Não só este conflito em particular, mas toda a região do Médio Oriente.



Desde que o conflito iniciou, em 1948 com a imposição/criação do Estado de Israel na região da Palestina, têm vindo a ser desenvolvidos esforços para uma paz efectiva, sem contudo alcançar êxito. As respostas para os sucessivos fracassos negociais são de vária índole: rivalidades políticas; religiosos; ingerência externa; escalada de violência; radicalismo militar; etc. A leitura de vários livros e artigos levam-me a olhar o povo palestiniano como o elo mais fraco e a facção com uma maior gama de reivindicações no seio desde marasmo conflitual.


Por outro lado, encaro os israelitas, nomeadamente os seus elementos mais radicais, tanto do povo como da classe política, como os grandes inimigos e principais opositores à pacificação daquela região.

Como anteriormente referi, são inúmeras as queixas do lado palestiniano, sendo deste modo difícil e revoltante a sua completa enumeração. Cito, no entanto, as que no meu entender se afiguram como as mais graves:

- Uma das injustiças mais amargas consiste no facto de o auxílio externo para fins humanitários ser muitas vezes interceptado pelas autoridades israelitas, e usado para o seu próprio benefício;

- Queixam-se igualmente que estão privados dos seus direitos mais básicos, não podendo reunir-se em paz, viajar sem restrições ou possuir propriedade sem medo de a verem confiscada;

- Um outro problema é a manutenção de colonatos judeus em pleno território palestiniano, nomeadamente na margem ocidental do Rio Jordão, tendo como agravante o facto de todos os colonatos estarem ligados entre si por uma rede de estradas pelas quais os palestinianos não podem circular;

- Também revoltante são os milhares de palestinianos que se encontram em prisões israelitas sem reais acusações feitas e ainda sem direito à devida defesa por parte de advogados palestinianos;



Há ainda que salientar o tão conhecido Muro, que na óptica israelita destina-se à sua segurança, sendo que o povo palestiniano o encara-o como o muro do encarceramento uma vez que irrompe pela Margem Ocidental para abranger blocos de colonatos e outras grandes áreas de terras palestinianas. Este muro não separa palestinianos de israelitas; mas antes palestinianos de palestinianos. A sua construção cerca por completo uma Palestina que já se encontra severamente trancada, que já é só uma parte do que era, dividida em cantões, ocupada pelas forças de segurança de Israel.


Olhando todos estes factos, a conclusão parece-me evidente, o povo palestiniano vive numa autêntica prisão dentro do seu próprio território. Deste modo, será extremamente complicado estabelecer a confiança entre estes dois povos. O esforço terá que ser convicto e multilateral.





Presentemente, ambas as facções possuem duas figuras de grande relevo num futuro processo de paz. No lado palestiniano Mahmoud Abbas, presidente da Autoridade Nacional Palestiniana (ANP), é conhecido como o rosto da moderação tendo estado envolvido nas negociações dos Acordos de Oslo em 1993, encontrando-se então na mesma linha da maioria do povo que representa, aberto a um efectivo acordo de paz. No outro lado da barricada, Ehud Olmert, Primeiro-Ministro israelita encontra-se igualmente aberto negociações, dado que o seu partido, o Kadima, defende como objectivo prioritário avanços no processo de paz com os palestinianos. Contudo, estas duas figuras, embora influentes, não chegam por si só a um real compromisso, daí que em 2003 o então Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, anunciou um “Roteiro para a Paz” por forma a resolver o conflito israelo-palestiniano em nome dos EUA, Rússia, ONU e União Europeia – O Quarteto Internacional.


O Quarteto Internacional compreende a necessidade de Israel ter uma paz duradoura, mas tal não será possível caso este não cumpra as resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e interrompa a colonização do território palestiniano. Por outro lado, é igualmente vital que os palestinianos reconheçam a existência do Estado de Israel livre de qualquer violência.



É fundamental que ambos os lados, principalmente Israel, elaborem concepções, “esqueçam” rivalidades antigas e tenham bem presente o futuro das suas populações já cansadas de tanta violência e acordos falhados.

Ainda relativamente ao Quarteto, Tony Blair foi recentemente nomeado como enviado do Quarteto para a paz no Médio Oriente. Olhando o seu passado político recente, não me parece a melhor figura para encabeçar tal missão. Tony Blair foi durante o seu mandato como Primeiro-Ministro britânico o principal aliado dos EUA. Sendo este país o grande inimigo dos países árabes do Médio Oriente, é também visto por muitos palestinianos como o grande aliado de Israel. Tal facto prende-se pelo uso do seu direito de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas mais de quarenta vezes por forma a bloquear Resoluções adversas a Israel. Por analogia, as expectativas apresentam-nos um cenário algo adverso às futuras missões atribuídas a Tony Blair, um “lacaio” da ingerência da grande potência norte-americana no conflito. Alguns desses vetos contribuíram para o descrédito dos EUA a nível internacional e não restam muitas dúvidas de é que a falta de um esforço persistente para resolver tal conflito uma das primeiras causas do sentimento anti-americano.


Concluindo o raciocínio, é viável que este triângulo político – Palestina, Israel, Quarteto – possam chegar a um acordo, porém, não acredito que tal acordo passe da teoria à prática. Por muito que a maioria dos palestinianos e israelitas desejam de forma expedita a paz, haverá sempre uma minoria, nomeadamente organizações terroristas como o Hamas e o Hezbollah, que impedirão a pacificação da zona e empenhar-se-ão na prática de actos de violência e terror sobre as populações.

Está portanto distante o dia em que este diferendo deixará de fazer parte das manchetes noticiosas.






Resolução 242 da ONU (1967
Conselho de Segurança das Nações Unidas
Resolução 242, 22 de Novembro de 1967



O Conselho de Segurança,
Expressando as suas contínuas preocupações perante a grave situação no Médio Oriente, salientando a inadmissibilidade da apropriação de território por meio de guerra e a necessidade de trabalhar para uma situação de paz justa e duradoura em que cada Estado desta região possa viver em segurança, salientando ainda, que todos os Estados-Membros, ao aceitarem a Carta das Nações Unidas, assumiram o compromisso de agir de acordo com o Artigo 2º desta Carta,



1. Afirma que o cumprimento dos princípios da Carta requer o estabelecimento de uma paz justa e duradoura no Médio Oriente, incluindo a aplicação de ambos os seguintes princípios:
(i) Retirada das forças militares de Israel dos territórios ocupados no recente conflito;

(ii) Fim de todas as exigências, ou estados de beligerância, e o respeito e o reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de cada Estado da região e o seu direito a viver em paz dentro das fronteiras seguras e reconhecidas, livres de ameaças ou actos de força.

2. Afirma ainda a necessidade de:

(a) Ser garantida a liberdade de navegação através das vias internacionais existentes na região;

(b) Ser alcançado um entendimento justo sobre o problema dos refugiados;

(c) Ser garantida a inviolabilidade territorial e a independência política de cada Estado da região, através de medidas que incluam o estabelecimento de zonas desmilitarizadas.

3. Requer ao Secretário-Geral que designe um Representante Especial que se desloque ao Médio Oriente, para estabelecer e manter contactos com os Estados interessados e para promover o entendimento e apoiar esforços que permitam alcançar um acordo pacífico e aceite, no âmbito das disposições e dos princípios desta resolução.

4. Requer ao Secretário-Geral que informe o Conselho de Segurança sobre os progressos dos esforços do Representante Especial tão cedo quanto seja possível.




Resolução 338 da ONU (1973)

Conselho de Segurança das Nações Unidas

Resolução 338, 21-22 de Outubro de 1973



O Conselho de Segurança



1. Apela a todas as partes envolvidas no presente conflito para que, imediatamente e não mais tarde do que 12 horas após o momento de aprovação desta decisão, cessem fogo e ponham fim a toda a actividade militar nas posições que agora ocupam.



2. Apela a todas as partes interessadas para que, imediatamente após o cessar-fogo, comecem a aplicar a Resolução 242 do Conselho de Segurança (1967) em todas as suas disposições.



3. Decide, imediatamente e em simultâneo com o cessar-fogo, que comecem as negociações entre as partes interessadas, sob os auspícios apropriados ao estabelecimento de uma paz justa e durável no Médio Oriente.